Lavoura

Encontram-se na obra Lavoura Arcaica inúmeras possibilidades de análise entre seu conteúdo e forma, seja forma literária ou cinematográfica. Deparamo-nos, ao examiná-la brevemente, com observações e questionamentos advindos de diferentes estímulos percebidos no decorrer da nossa experimentação. Esta diversidade de estímulos que contribuem para a experimentação estética e lhe fornecem material de apreciação, acontece através da riqueza de expressão (artística) e de problematização (reflexiva). O misto harmônico destas características artísticas e reflexivas reflete na decorrência da experimentação da obra: ela não se esgota por si só. Nos provoca um ‘ruminar’ de idéias, uma perturbação. Melhor dizendo, uma quietude que perturba.




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O desejo não se argumenta, não há condições para racionalizar os atos advindos dele. A natureza fala mais forte, grita. É bruta, bárbara, selvagem. Não é justificável. Não se adapta sob controle incondicional tal como se exige no seio daquela família. Assim como a natureza invade os cenários da história, invade também a relação entre a família.
O controle da figura do pai – a sua autoridade – interfere sobre aquilo que lhe oferece submissão, que lhe concede poder. Os hábitos cotidianos, as tradições herdadas. Os comportamentos coloquiais, acima de tudo. Mas sob toda esta camada de obediência, de aceitação, de continuidade ao costume, está o indivíduo na sua pureza de instintos, na sua natureza.


Cabe dizer que o estado de natureza – o puro instinto, no sentido de que dentro daquele controle excessivo da família, André encontrou na própria família a satisfação dos seus desejos, deixando que se continuasse o domínio paterno, como se seus atos se encontrassem numa brecha deste domínio – que incita André a proceder de tal forma, dá espaço à inocência? À realização do desejo de encontrar na própria família a satisfação – “não se encontra fora de casa o que a casa pode oferecer” – para justificar no próprio discurso de autoridade do pai o ato ‘transgressor’? Seria um ato inocente ou astuto? ou estaria além destas características e seria um ato de caráter irredutível a uma qualificação ‘maniqueísta’?
O que gerou a disposição para irmãos se procurarem e quebrarem aquilo que havia de ‘puro’ no âmbito familiar? O ocorrido enfatiza a pureza dos dois ou, unicamente, o transgredir do autoritarismo? ou ainda um terceiro elemento que se possa encaixar nesta totalidade, e que não se restringe ao valor e caráter da intenção do ato?


FormaA forma fílmica se traduz em interpretação poética e teatral. Mesclam-se diferentes formas de expressão artística narrativa em uma só obra cinematográfica. A imagem poética em movimento dita o ritmo literário da história, possibilitando a inserção imediata e o acompanhar lento da transposição das cenas. A teatralidade dos personagens e da atmosfera da ação dramática nos permite chegar perto de uma experiência literária, pois nos insere no contexto de modo a vir a absorver nossa atenção de maneira tão extrema e perspicaz que nos dispõem a acompanhá-la de perto, numa leitura minuciosa dos personagens e dos acontecimentos. A narrativa do filme acontece no pensamento do personagem, estamos o mais próximo que se pode estar dele. Devido a isso, as cenas se delongam. Nós, espectadores, estamos diante de intensa subjetividade, a qual é a garantia de magnitude da obra.

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O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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