A Atualidade do Belo

Para não retornarmos nossas pesquisas já esquecidos daquilo que se passou, uma pequena retomada do que já foi estudado não é nada mau, é? Para recordarmos brevemente, aqui está um resumido relatório da introdução do texto A Atualidade do Belo: A arte como jogo, símbolo e festa.





Não se pode aprofundar qualquer estudo da recepção estética sem discutir a hermenêutica da arte, ou seja, a forma como a experiência estética é compreendida pelo espectador - e que tem como principal autor o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer. Hermenêutica remete a Hermes, um semi-deus grego que recebe mensagens dos deuses e as traduz aos humanos, assim como dos humanos aos deuses. Enquanto Hermes é mensageiro e intérprete, hermenêutica é o ato de receber uma mensagem e interpretá-la. Portanto, aplicar as teorias hermenêuticas à arte, remete à experiência estética, à comunicação estabelecida pela obra entre seu autor e seu espectador, seu conteúdo e sua forma.
Gadamer, em A Atualidade do Belo, se preocupa, em primeiro lugar, com a justificação da arte a partir de uma reconstrução histórica ocidental desde Platão. O filósofo grego é o primeiro a colocar sob questionamento a validade da expressão artística, fazendo, dessa forma, uma crítica à arte jamais antes conceitualizada. Na Grécia antiga, os conteúdos artísticos eram acolhidos culturalmente de maneira espontânea, eram uma linguagem formal coletiva com uma finalidade específica – o contato com o divino. Desse modo uma censura, ou “condenação”, da arte não se efetivava comumente. Platão, entretanto, considera a arte como um instrumento negativo para a coletividade, pois não passa de uma cópia imperfeita do já imperfeito mundo em que vivemos – ao contrário do mundo perfeito das Idéias, ou Formas perfeitas, que, por sua vez apenas ‘inspira’ aquilo que se encontra ao nosso alcance e que podemos observar com os nossos sentidos.
A ocupação com a justificação da arte perpassa ainda pela ressignificação da linguagem artística fundamentada pela Igreja Cristã, que marcou o desenvolvimento e a renovação da arte grega e romana para uma consciência prioritariamente humanista. Já no século XIX, a arte sofre uma grande transformação de conteúdo e forma e, principalmente, a ruptura entre estes dois elementos.
Gadamer, num segundo momento, propõe a construção de uma legitimação própria para a experiência estética, isto é, procura edificar, através do estudo dos “fundamentos antropológicos” da história da arte, uma reflexão sobre este fenômeno.
Concomitante ao desenvolvimento cultural, decorreu-se o desenvolvimento da arte, acompanhando transformações sociais, políticas e religiosas. As diferenças culturais que resultam na mudança da expressão artística entre os períodos históricos é visível. A sintonia entre a expressão artística e sua finalidade, na arte clássica, é explícita. Nesse contexto, a arte se justifica pela sua finalidade exógena e usualidade compreendida por uma coletividade. A pretensão da obra se encontra no seu próprio ‘aproveitamento’. Por outro lado, no modernismo, a arte simbólica se contrapõe à Antiga. Ela não expressa sua justificação diretamente através de suas obras, não há a perfeita adequação antiga entre forma e conteúdo. A ‘arte pela arte’ propicia uma liberdade muito maior para a expressão artística, uma margem muito maior a ser abrangida, a qual não se restringe a uma aplicação, a uma usualidade, a uma finalidade externa, mas sim a uma finalidade da arte em si mesma.
A “compreensão”, a “interpretação”, daquilo que representa a arte nesses diferentes momentos históricos se adapta conforme os diversos contextos. Ao encarar a arte clássica com uma visão moderna, podemos enxergá-la, mas não a compreendemos conforme o âmbito social da época. Não a percebemos de acordo com o contexto que a provocou, que a oportunizou, portanto, estamos encarando-a numa perspectiva hermenêutica distinta daquele que a ela foi contemporânea.

Lavoura

Encontram-se na obra Lavoura Arcaica inúmeras possibilidades de análise entre seu conteúdo e forma, seja forma literária ou cinematográfica. Deparamo-nos, ao examiná-la brevemente, com observações e questionamentos advindos de diferentes estímulos percebidos no decorrer da nossa experimentação. Esta diversidade de estímulos que contribuem para a experimentação estética e lhe fornecem material de apreciação, acontece através da riqueza de expressão (artística) e de problematização (reflexiva). O misto harmônico destas características artísticas e reflexivas reflete na decorrência da experimentação da obra: ela não se esgota por si só. Nos provoca um ‘ruminar’ de idéias, uma perturbação. Melhor dizendo, uma quietude que perturba.




Conteúdo



O desejo não se argumenta, não há condições para racionalizar os atos advindos dele. A natureza fala mais forte, grita. É bruta, bárbara, selvagem. Não é justificável. Não se adapta sob controle incondicional tal como se exige no seio daquela família. Assim como a natureza invade os cenários da história, invade também a relação entre a família.
O controle da figura do pai – a sua autoridade – interfere sobre aquilo que lhe oferece submissão, que lhe concede poder. Os hábitos cotidianos, as tradições herdadas. Os comportamentos coloquiais, acima de tudo. Mas sob toda esta camada de obediência, de aceitação, de continuidade ao costume, está o indivíduo na sua pureza de instintos, na sua natureza.


Cabe dizer que o estado de natureza – o puro instinto, no sentido de que dentro daquele controle excessivo da família, André encontrou na própria família a satisfação dos seus desejos, deixando que se continuasse o domínio paterno, como se seus atos se encontrassem numa brecha deste domínio – que incita André a proceder de tal forma, dá espaço à inocência? À realização do desejo de encontrar na própria família a satisfação – “não se encontra fora de casa o que a casa pode oferecer” – para justificar no próprio discurso de autoridade do pai o ato ‘transgressor’? Seria um ato inocente ou astuto? ou estaria além destas características e seria um ato de caráter irredutível a uma qualificação ‘maniqueísta’?
O que gerou a disposição para irmãos se procurarem e quebrarem aquilo que havia de ‘puro’ no âmbito familiar? O ocorrido enfatiza a pureza dos dois ou, unicamente, o transgredir do autoritarismo? ou ainda um terceiro elemento que se possa encaixar nesta totalidade, e que não se restringe ao valor e caráter da intenção do ato?


FormaA forma fílmica se traduz em interpretação poética e teatral. Mesclam-se diferentes formas de expressão artística narrativa em uma só obra cinematográfica. A imagem poética em movimento dita o ritmo literário da história, possibilitando a inserção imediata e o acompanhar lento da transposição das cenas. A teatralidade dos personagens e da atmosfera da ação dramática nos permite chegar perto de uma experiência literária, pois nos insere no contexto de modo a vir a absorver nossa atenção de maneira tão extrema e perspicaz que nos dispõem a acompanhá-la de perto, numa leitura minuciosa dos personagens e dos acontecimentos. A narrativa do filme acontece no pensamento do personagem, estamos o mais próximo que se pode estar dele. Devido a isso, as cenas se delongam. Nós, espectadores, estamos diante de intensa subjetividade, a qual é a garantia de magnitude da obra.

Experimentando arte culinária

Para dar andamento às nossas pretensões acadêmicas cedemos à condição de nos submetermos à inevitável experiência gastronômica. Daremos seqüência à uma velha indagação que nos persegue e, muitas vezes, mal nos dá sossego, a respeito da possibilidade de uma experiência estética com a arte culinária. Tal empreitada é condição fatal para a continuidade de um estudo circunstancial, substancial e rechonchudal! Façam seus pedidos.

Experimentando Lavoura Arcaica




Ao mantermos a linha de questionamentos desenvolvida a respeito da recepção da arte, sentimos a necessidade de incluir em nossa pesquisa uma atividade mais voltada ao conhecimento prático, levando em conta que a arte pressupõe o contato com o espectador. Efetivar esta possibilidade de fazer uma experimentação estética - deixando à espreita nossos materiais teóricos e nos pondo no papel de espectadores - requeriu a escolha de uma obra que, por convenção, abrangesse diferentes tipos de estímulos estéticos, de linguagem, de expressões artísticas.
Para dar seguimento a esta intenção de estudo, nos propomos a experimentar a obra Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, transformada em película pelo diretor Luiz Fernando Carvalho. Desta maneira nos seria possível fazer o inevitável paralelo de conteúdo e forma entre literatura e produção cinematográfica.

Quem somos

O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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