A música e os sentimentos


Com base em estudos feitos anteriormente e para dar continuidade as nossas discussões, sentimos a necessidade de partir para um campo de ação um pouco diferente daquele que vínhamos experimentando. Pórem, não muito distante, uma vez que filosofia e arte constituem o ponto central dos nossos debates. O tema escolhido foi música, esta que, em geral, é de fácil acesso e um componente familiar a todos nós, e que para muitas pessoas se mostra profundamente pessoal, tornando-se assim difícil identificar exatamente o que as afeta, supondo haver uma relação forte entre a vida dos sentimentos e a música em sua expressividade.

Existe também uma diversidade de instrumentos, pelos quais temos acesso à música, algo que nos desperta a curiosidade. Entre eles podemos citar a voz humana, o violão, o piano, o violino, sintetizdores, entre outros. Além disso, a música é reconhecivel por sua ubiquidade, ou seja, está em muitos lugares ao mesmo tempo, e sua capacidade de reprodução é muito fácil, pois em uma era tecnológica, como a atual, há uma variedade de meios de reprodução mecânica e audiovisual que facilitam o processo de propagação da mesma. Também podemos considerar que a música pode ser facilmente conciliada com outros tipos de arte, como o cinema, a dança, o teatro, e com outras manifestações culturais, além de, naturalmente poder ser objeto de atração por si mesma. Ao analisarmos os escritos do crítico musical Eduard Hanslick, observamos que ele nos traz duas propostas: uma negativa, sobre o significado da música instrumental, opondo-se à ideia de que o objeto de análise da estética musical e do discurso crítico sobre a mesma, poderiam ser compreendidos em termos emocionais, e outra positiva, sobre uma explicação do significado musical, de acordo com o que ele considera ser o ponto central da atenção crítica e estética. Hanslick usa dois argumentos para defender a tese negativa.

O primeiro argumento diz respeito à visão causal dos fenômenos. Para ele a visão causal confunde sentimento com sensações, sendo necessário distingui-las. Sentimento refere-se à consciência de um estado mental, assim como a angústia ou o amor, e sensação seria especificamente a percepção de qualidades sensoriais, proveniente dos sentidos, como tons musicais e cores. De acordo com Hanslick, esse tipo de visão supõe falsamente que o propósito da música é o de despertar sentimentos, apenas por que eles podem ser estimulados pela contemplação do belo musical, fixar-se nos efeitos gerais da música seria como tentar conhecer natureza real e as sutilezas do vinho embriagando-se, ou seja, a contemplação do belo pode produzir sentimentos agradáveis, mas segundo Hanslick, esses não têm nada a ver com a beleza musical em si. O sentimento despertado, afirma o crítico, mostra-se como um efeito secundário, que tem surgimento da imaginação ativa como atividade de pura contemplação de uma sequência de formas tonais.

O segundo argumento de Hanslick refere-se à versão representacionalista da solicitação emocional. De acordo com essa versão, a música possuiria a capacidade de representar sentimentos definidos, como o amor e a coragem, da mesma forma que a pintura pode representar o sentimento de um personagem. Na visão do crítico, faltariam recursos para que a música alcançasse essa espécie de representação e o que na verdade têm qualidades dinâmicas em relação tonal, como por exemplo, o atributo do movimento, acelerando ou reduzindo, subindo ou descendo etc. A mente está alerta para fazer a associação dessas características dinâmicas da música com sentimentos definidos, que podem ter certa semelhança entre si, mas a música só pode expressar os adjetivos que os acompanham, como o sussurro, mas não o substantivo, o anseio de amor. E esse é o principal motivo por que pessoas podem concordar sobre a beleza musical, mas não sobre o conteúdo emocional supostamente representado, pois esse é relativo a cada caso e se não podem concordar em relação a isso, não há representação.

É possível supor que o problema está em atribuirmos propriedades expressivas a obras de artes, como tristeza ou felicidade, pois podemos dizer seguramente que uma peça musical não é feliz assim como um ser humano pode ser e o que se torna plausível fazer é tentar explicar a tristeza de uma obra localizando esse sentimento no compositor, porém não é verdade que peças tristes tenham que ser exatamente de compositores tristes. Compositores alegres podem compor peças musicais que nos soem tristes. Hanslick aceita que na música vocal as palavras possam ajudar especificr um sentimento mas, mesmo admitindo que a música vocal seja capaz de representar emoções definidas com maior especificidade, a questão muda em relação à música em geral. Segundo Hanslick, a estética da música deve ser orientadaa pelo que se pode dizer a respeito da música instrumental, reprovando a música vocal e a ópera, pois, nestas duas últimas, os princípios musicais são subordinados aos literários, e a música acabaria se reduzindo à condição de serva da representação de estados mentais específicos e volúveis. Exemplos disso são a ópera e a dança. Hanslick ainda sustenta que obras de arte musicais são arte completa, mesmo não sendo executadas. Por mais que ele compreenda que a música é uma obra de execução, afirma que o papel do executor é apenas o de exteriorizar a obra do compositor, tornando-a disponível ao ouvinte.

Em contraposição aos argumentos de Hanslick, a especialista em Filosofia da Arte Susanne Langer, expõe sua teoria de que a música, como toda arte, funciona simbolicamente para referir-se a ideias sobre a vida dos sentimentos. Ela sustenta que as artes individuais funcionam simbolicamante por meio da criação do que ela chama de aparências ou ilusões de domínios particulares da vida emotiva. Para ela, a música funciona como um símbolo de domínio particular do sentimento transitório, ou seja, suas formas em movimento tonal são uma aparência ou ilusão sa sensação do tempo, tendo em comum a mesma forma lógica dos padrões em movimento de tensões físícas, emocionais e intelectuais, por meio dos quais experimentamos a passagem do tempo. A música, para o compositor, seria uma forma simbólica através da qual ele pode prender e também enunciar ideias de sensibilidade humana.

Porém, segundo o filósofo Peter Kivy, casos de expressão musical podem ser mais bem entendidos como instâncias de "ser expressivo de" emoção, mais do que "expressando" emoção. Em outras palavras, para o filósofo as descrições emotivas da música são logicamente independentes de estados mentais dos compositores da música. Portanto, torna-se difícil dizer que alguns comportamentos expressivos se pareçam com acordes possivelmente correspondentes. O que aconteceria nesse caso, segundo a Teoria de Convenção de Peter Kivy, é que algumas características musicais chegaram a ser associadas a certos significados emotivos, independentemente de qualquer relação entre eles.

Os desafios sobre a Filosofia da Música são muitos. Alguns teóricos tentam resolvê-los propondo que a música possa ter uma dimensão narrativa ou literária importante, assim como há filosofos que defendem que a expressividade musical envolve a imaginação ou uma consciência de estados emotivos, afirmando que a música evoca sentimentos imaginários: o ouvinte imagina-se, subjetivamente, em ações específicas. Contudo, ainda são caminhos muito imprecisos, mas como podemos perceber, o campo musical é vasto e tem estado em dabate há muito tempo, despertando nossa curiosidade e nos lançando sempre para as mais variadas especulações, ainda hoje.
Fonte: Filosofia da Música: Formalismo e Além. Philip Alperson.

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O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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