Vanguarda e kitsch

Em nosso mais recente encontro, na data de 23 de setembro de 2010, demos início à leitura de um texto de Clement Greenberg – autor já citado em outras oportunidades, servindo de referência em pesquisas por parte de integrantes do nosso grupo, como, por exemplo, “Narciso e a esfinge: a dupla face da experiência estética” (Aline Bouvié Álvares), “’Um Cão Andaluz’, o fim da arte e os limites da narrativa” e “Apolo, Dionísio e a coruja: sobre o valor e o significado da arte” (ambos de Marciana Zambillo). O texto específico ao qual nos referimos em tal encontro foi um dos capítulos do livro Clement Greenberg e o debate crítico, chamado “Vanguarda e kitsch”.

As discussões anteriores trouxeram à tona, quase que corolariamente, o elemento kitsch na cultura moderna e contemporânea. No texto “Vanguarda e kitsch” procuramos buscar as origens, os motivos e a difusão desta nova forma de expressão e da quebra que ela representa na evolução da arte.

Ela é realmente uma forma de expressão ou uma válvula de escape para artificializar uma carência cultural?


Nos primeiros parágrafos do texto encontramos uma reconstrução histórica clarificadora em relação às origens e aos motivos desta mudança formal – e, para sermos fidedignos ao nosso debate, mudança, principalmente, ‘conteudal’! Em relação à difusão, à aceitação, à imposição do elemento kitsch no panorama cultural do homem moderno e contemporâneo temos ainda muito a conversar. Mas, antes disso, deixemos aqui registrados alguns dos questionamentos, enlaces e – dolorosas – conclusões já relevados pelo grupo!


A demanda da arte de elite: variação sobre um mesmo tema


Greenberg começa seu texto questionando-se sobre a multiplicidade das expressões artísticas de uma época: sempre existiram disparidades, pluralidades, variedades – sejamos enfáticos! – na arte de uma mesma época? É possível que exista um suporte para tantos tipos de expressões artísticas geradas de um mesmo contexto?


Uma das hipóteses levantadas para resolver a questão é a elitização característica dos movimentos artísticos (não entremos na discussão específica entre arte e indústria cultural na contemporaneidade, evitemos a terceira guerra mundial enquanto possível.). Jogamos essa ‘elitização’ mais especificamente nos ombros dos movimentos artísticos pré-modernos, sustentados diretamente pela aristocracia e gozados exclusivamente por ela. Essa arte ‘patrocinada’ tinha seus limites muito bem marcados: a variação era concentrada nas formas (as quais também eram muito bem delimitadas dentro de um campo de aceitação e de técnica) que expressavam uma mesma temática, um mesmo conteúdo. A ‘arte’ e a ‘não arte’ eram estabelecidas pelas doutrinas formadas pela elite, ou, o que ora chamamos de ‘instituição’. O que não podia deixar de ser! Pois a arte sempre dependeu da sua ‘demanda’, (podemos até mesmo dizer que a arte sempre dependeu daquilo que a sociedade estava ‘preparada’ para receber) e nem mesmo gênios como Michelangelo e Rafaello estavam livres deste vínculo ‘social’. Se a eles era atribuída a função de esculpir uma ‘Madonna’, a única liberdade artística que tinham era a variação sobre aquele tema específico: esculpi-la ou pintá-la segurando Jesus com o braço esquerdo, com o braço direito ou na garupa (exemplo muito elucidativo das mentes brilhantes que circundam nosso agradabilíssimo ambiente de estudos!)




                                 




O que foi observado pelo grupo – o qual, ressalto, consegue colocar em debate caloroso até mesmo referências históricas e, ao que parece, incontestáveis! – é que quanto mais nos afastamos da modernidade num retrocesso histórica, mais lento os processos de mudança, de inovação, vão se tornando. Enquanto na sociedade moderna encontramos diferentes correntes artísticas, umas simultâneas às outras, na antiguidade – ou melhor, naquilo que sabemos sobre a antiguidade, na informação que chegou até nós -, toda forma de expressão estava ligada a algum tipo dominante de ideologia. A variação sobre o mesmo tema existia, mas existia dentro de confins delimitados por instituições externas, sejam elas políticas ou religiosas, isto é, contextuais. A discussão dominante, nesta fase do debate, foi em relação à precisão das referências históricas. Ora, obviamente um canto gregoriano, produzido dentro dos muros sagrados da Igreja, foi preservado pela hierarquia cristã. Mas e a arte “pagã”? A arte “Cult”? Talvez elas existissem, mas não foram preservadas justamente porque não eram consideradas legítimas em suas épocas.


A arte da vanguarda e a possibilidade do múltiplo




A grande diferença é que hoje, além de se trabalhar com diversas técnicas e se tenha absoluto domínio sobre elas – às quais definimos não apenas em seu argumento puramente ‘técnico’, mas na maneira como os artistas jogam, brincam, com a forma, usufruindo muitas vezes de produtos já prontos (ok, Duchamp! vamos começar a cobrar pra fazer referência a você!)-, é muito mais rico o poder do artista sobre a sua possibilidade de ‘responder questões’ que foram colocadas anteriormente. Quer dizer, jogar com as formas, hodiernamente, é praticamente vital à arte. Tão necessário que muitas vezes não se sabe onde começa a forma e onde termina o conteúdo.

Ousamos colocar o problema de tal forma: novas respostas (formas) para antigas perguntas (estímulos artísticos ou, mesmo, conteúdos). A liberdade artística moderna possibilita diferentes movimentos simultaneamente, variadas formas de abordar um mesmo problema (um mesmo contexto gerador, inspirador). A questão agora é: como surge esta “disparidade” que quebra a linearidade das heranças culturais ocidentais?




Uma das abordagens de tal problema é como podemos conceituar a ‘inovação’ da arte. Parece plausível supor que o que encontramos de novo nas expressões artísticas é o modo como tratamos os problemas. Podemos dizer que as soluções estiveram sempre disponíveis, porém resolvemos testá-las, colocá-las entre as paredes de um museu e provocar uma nova interpretação – ou, para não irritar os deuses (ou demônios) da interpretação: novas formas, novos artifícios, novas placas de beira de estrada que direcionem o nosso olhar de modo diverso para enfrentar ‘antigos problemas’. (No entanto, a questão que fica é que se todos buscam o novo, não estão todos se igualando na busca pela inovação? O novo não se torna um elemento comum?)
Uma das reais influências para a nova visão da arte, a nova possibilidade de fazer arte, foi – e sempre será – o poder das doutrinas dominantes, da elite, do contexto, das instituições externas que a possibilitam. Afinal, esta liberdade moderna que tanto destoa da ‘disciplina’, da ‘regularidade’ da arte pré-moderna, deve ter sido gerada a partir de algum derradeiro elemento cultural que envolveu o âmbito social.


“Não foi por acaso [...] que o nascimento da vanguarda coincidiu cronologicamente – e geograficamente também – com o primeiro surto de desenvolvimento do pensamento revolucionário científico na Europa.” [p. 28]

Greenberg nos ajuda a colocar ‘a culpa’ em alguém: os vanguardistas foram responsáveis pela contra-argumentação em resposta aos movimentos ideológicos do século XIX. E daí resultou a pluralidade e inovação das artes: da nova perspectiva de mundo que as revoluções científicas proporcionaram ao homem (muito bem lembrada foi a posição dos artistas nas épocas pré-modernas: não eram ‘simplesmente’ artistas, mas cientistas, filósofos, etc., estando sempre envoltos pela aura política e suas transformações.)
As Vanguardas, movimentos artísticos surgidos na Europa no início do século XX, impulsionaram um tempo de ruptura com as estéticas tradicionais, com forte desejo de mostrar uma nova maneira de ver o mundo, expressando sua revolta contra as regras e imposições culturais. Guiando a cultura da época e estando de certa forma à frente dela. Greenberg conclui “Revelou-se, então, que a verdadeira e mais importante função da vanguarda (...) [era] manter a cultura em movimento em meio à violência e à confusão ideológicas” (p. 29).
Essa mudança formal da arte provocada pelas influências vanguardistas foi um dos motivos do declínio da aristocracia no século XIX e a ascensão burguesa. Os aristocratas eram os antigos patrocinadores da arte, mas esta relação entre artista e aristocracia foi substituída pelo mercado capitalista. A arte que era sustentada pela aristocracia agora sobrevive ‘por si mesma’. Em conseqüência, a burguesia emergente, ou seja, os ‘novos ricos’, que tinham pouca ou nenhuma noção de arte, a fim de adquirem status social, descobriram que podiam ter ‘acesso’ ao conteúdo artístico através de réplicas disponibilizadas pelo mercado: querendo igualar-se ao bom e velho aristocrata exageravam nas misturas, pecavam pelo excesso, tinham preferências por arte de ‘gosto duvidoso’.
Em vista disso, podemos dizer que as reformas dos contextos sociais e políticos foram impulsionadores da origem ao movimento cultural chamado ‘kitsch’. Buscando a antiga ‘respeitabilidade’ da aristocracia, os ‘novos ricos’ tentaram encontrar no produto ‘falso’ e ‘parecido’ a mesma ‘respeitabilidade’ do original. Através da acessibilidade proporcionada pelo novo modelo político – capitalismo – a arte ganha espaço em diferentes âmbitos, conquista novos públicos. O que dá origem a outras tantas discussões, que não seriam possíveis senão neste contexto do pensamento moderno que propicia e legitima a pluralidade e disparidade dos movimentos artísticos: a multiplicidade da arte corresponde à sua qualidade? A qualidade da arte, agora é ditada por quem? Ela deve ser ditada por alguém?

                               

ARTE, INDÚSTRIA CULTURAL, KITSCH E CULT! II Parte

Sexto capítulo: indústria cultural, arte, promessa de felicidade
e  bichos-carpinteiros


 Indústria cultural


A promessa de felicidade que aparece nos objetos da indústria cultural encontra-se empacotada. A beleza do pacote tem um propósito claro: é porque nos embriagamos com ela que não nos preocupamos em questionar 'o que tem dentro' da caixa. Com efeito, caso tentássemos fazê-lo, veríamos que ela está na verdade vazia. Quando pensamos em abrir o pacote, surge outra promessa empacotada.

É, meus caros, talvez o domingo que fica entre o fim de uma novela e o início da outra não seja o suficiente para acordar o nosso bicho-carpinteiro.

Arte


A arte também nos promete a felicidade, mas o seu pacote se encontra aberto. Percebemos que não há nada dentro dele. É a arte mesma que viola o pacote com o qual nos apresenta uma promessa de felicidade. Ela insinua que a promessa que faz não é passível de realização. Por quê? Talvez para que cheguemos a pensar que o interessante é prometer apenas. As promessas permanecem vivas quando são só promessas, mas se esgotam quando se realizam. Talvez a arte queira nos mostrar que o menos interessante das promessas seja justamente aquilo que elas prometem.

O mais paradoxal nesse caso parece estar no seguinte: ainda que por vezes deflagre uma experiência de prazer (por vezes porque não é apenas o prazer que entra em cena aqui), a arte não provoca aquilo a que poderíamos chamar 'experiência de satisfação'. Se estamos inclinados a dizer que ela provoca, sim, uma experiência de satisfação, então temos de ter em mente também que não se trata daquele tipo de experiência ao qual comumente nos referimos com o adjetivo 'satisfatório'. A julgar pelo modo como costumamos utilizá-lo, o termo 'satisfação' tem a ver com a palavra 'esgotamento'. Quando, depois de jantar (e comer de sobremesa a melancia kitsch da Frã), dizemos estar satisfeitos, o que queremos deixar claro é que a nossa experiência de prazer com o alimento já se esgotou. Ela terminou por ali mesmo. Talvez um raciocínio idêntico se aplique ao sexo e a outras experiências de prazer. Certo, porém, é que não vale para a arte. Seja qual for o tipo de experiência que temos ao contemplar objetos artísticos, o fato é que não se trata de uma experiência de satisfação nesse sentido mais usual. Não paramos de observar uma pintura pelas mesmas razões pelas quais paramos de comer ou de transar. A satisfação, que nesses dois últimos casos se esgota mediante a possessão do objeto desejado, no caso da arte se mantém justamente porque o objeto desejado nunca é completamente possuído.

Sétimo capítulo: o kitsch e a restauração da relação entre o significado e o significante


Motivados pelas observações da colega Roberta, passamos a discutir qual é a diferença entre o artístico e o kitsch.


Possível definição


Trabalhamos com uma definição ainda insipiente do kitsch: palavra que designa objetos que 'caem nas graças' da massa. O pinguim de geladeira e a galinha na casa do professor Gerson são exemplos de objetos kitsch. É claro que algumas dúvidas ainda ficam: seriam as garrafas pet que são postas como adorno sobre a mesa também objetos desse gênero? O que dizer dos sapatinhos que servem como porta-celular? Os anjinhos de resina também aí se enquadram?


O kitsch e a indústria

O kitsch restaura a relação entre o significado e o significante ao investir naquilo que a indústria deixa de lado: o trabalho das mãos humanas. Os objetos perdem a sua alma/aura, observou a Roberta, porque são produzidos de forma seriada.



O artesanato, então, teria alma? O que dizer dele?



Essa restauração, entretanto, não é um fenômeno intrínseco ao próprio objeto kitsch. É apenas quando ele ganha um lugar específico dentro de um certo ritual (sagrado) que tal fenômeno acontece. O objeto, então, volta a ser portador de um determinado conteúdo, ainda que – diferentemente do que propõe a arte – experimentá-lo signifique, nesse contexto, reproduzir um modelo de relação com o sobrenatural que já superamos.

Dadas essas considerações, podemos dizer que a 'almatização/auratização' no caso do kitsch é uma questão de lugar, e não de alguma propriedade que seja intrínseca ao objeto. É no ritual que ele se torna sagrado.

Da sessão 'frases curtas e de efeito' (parte 1)

“O kitsch é a borda da indústria cultural”.


Oitavo capítulo: o cult

[Interessados em estudar o significado de palavras cujo final tenha o som de 't' (???)], passamos a discutir o que nos impele a conceber um determinado objeto como cult. Descobrimos que, tal como se sucede com o kitsch, o que vale como critério nesse caso não são as propriedades intrínsecas do objeto. É relação que ele estabelece com todas as pessoas que ganha preponderância. Perceba: não a relação que ele estabelece com a pessoa cult, mas sim com todas as pessoas. A história se resume ao seguinte: um objeto (filme, música, pintura...) está tão mais propenso a ser considerado cult quanto menos conhecido da população em geral ele for. Embora possa não ser o único, esse critério talvez seja o mais importante aqui.

Suponho que a estética que está em jogo nesse contexto reflita mais um culto à pessoa do que ao objeto. O gostar do raro não engradece o objeto, mas sim a pessoa. Não assisto a filmes iranianos porque a Roberta me disse que são o que há de melhor no cinema, embora passe a vê-la (a ver ela!) com outros olhos depois da declaração...

[(Ah, fala sério, Roberta, pode dizer que sabe tudo de cinema iraniano :-)!]

Da sessão frase curtas e de efeito (parte 2)

“O cult é aquilo que todo mundo precisa gostar, mas quando todo mundo gosta já não é mais cult”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. Trad. Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural hoje. In: DURÃO, Fábio; ZUIN, Antônio; VAZ, Alexandre (orgs.). A indústria cultural hoje. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 97-110.

ARTE, INDÚSTRIA CULTURAL, KITSCH E CULT! I Parte

Quando, onde e quem

No dia 8 de setembro de 2010, uma quarta-feira, os pesquisadores Gerson, Iara, Ester, Roberta, Marceli, Tarso, Bárbara, Bruna e Taciane, do grupo de pesquisa Arte, sentido e história, reuniram-se no Atelier da Ester (e da Lola) para mais uma sessão de estudo.

Prólogo

No início desta sessão, ainda antes de discutir o texto A indústria cultural global e sua crítica, do professor Rodrigo Duarte, (i) conversamos a respeito do evento sobre estética e (ii) planejamos (dominar o mundo!) um novo formato para este blog. O professor Gerson indicou o livro Modos de ver, de John Berger, publicado pela Rocco.

Primeiro capítulo: arte e técnica

Em muito uma recuperação das principais ideias do tópico
“A vigência da crítica adorniana à indústria cultural”, a fala da colega Bruna nos levou até duas grandes perguntas: (i) “Quais são as categorias que ainda fazem do conceito de 'indústria cultural' um conceito atual?” e (ii) “O 'lugar' da arte, no caso da indústria cultural, encontra-se previamente definido?”. “Parece que sim”, concluímos em relação à segunda questão, “uma vez que os objetos que compõem a indústria cultural apresentam um determinado padrão. As histórias que nos contam os filmes e as novelas da TV são lineares e as músicas que ouvimos no rádio são variações de três ou quatro minutos de um mesmo sistema, o tonal”.

Mas – este é o problema – a arte clássica também tem um 'lugar' definido. Na contramão do que acontece em relação aos objetos artísticos contemporâneos, os objetos artísticos clássicos se distinguem nitidamente dos objetos do 'mundo prático'. A responsável pelo estabelecimento de fronteiras rígidas nesse caso é a técnica. É por meio dela que se decide o que é arte e o que não é arte.

Não se trata de dizer que não há técnica na produção de objetos artísticos contemporâneos, mas sim de mostrar que, no caso da produção de objetos artísticos clássicos, esse critério (a técnica) possui uma dimensão prioritariamente demarcatória. Com respeito às produções artísticas atuais podemos sustentar que não é mais com base no fator 'técnica' que demarcamos os limites entre o que é e o que não é arte.

Segundo capítulo: arte e industrialização

O advento da industrialização suga a 'alma/aura' dos objetos. Vivemos num 'mundo desencantado'. Se antes procurávamos o mercado para adquirir o que gostamos, agora procuramos o mercado para saber do que gostamos.
A indústria provoca uma espécie de rompimento entre o significante e o significado (conteúdo) dos objetos que produz. O modo como nos relacionamos com eles dá-se, assim, à esteira dessa cisão.

Terceiro capítulo: vanguarda e indústria cultural

A vanguarda faz frente à força da indústria cultural de maneira inusitada. Alguns dos movimentos de vanguarda, por exemplo, em vez de elevar à categoria de arte objetos dotados de conteúdo, optam por atribuir esse estatuto a objetos que não têm conteúdo/significado nenhum. Tais movimentos brincam, em última análise, de 'auratizar' certos objetos. Para que exatamente? Essa questão ficou em aberto. Mas o propósito talvez seja o de levar o espectador a perceber justamente que, embora pareçam repletas de significado, as relações que ele estabelece com os objetos são vazias. Basta um olhar mais profundo sobre os objetos, que é o que a arte faz ao elevá-los ao patamar de arte – ou, em outras palavras, ao criar as condições pelas quais o nosso olho pode lhes aplicar uma espécie de 'zoom' –, para notarmos que a 'feliz promessa' de conteúdo/significado que eles abrigam é ilusória. É como se a arte, ao colocar uma lupa no tipo de relação que estabelecemos com os objetos, tentasse nos levar a perceber que no fundo ela é ilusória. Não há o conteúdo que imaginamos que há. Não se realiza a promessa de felicidade que procuramos.

Chegamos aqui à conclusão de que o 'sucesso' da arte está, por assim dizer, na própria consciência que ela tem do seu fracasso. Ao contrário do que faz a indústria cultural, ela 'afirma' com franqueza que não podemos acreditar na sua promessa de felicidade. Como? O seu segredo aqui está na atitude de sabotar a própria promessa. A arte tem algo de cruel: ela faz promessas para afirmar em seguida que é incapaz de cumpri-las. Pior: não obstante ciente de que não pode cumpri-las, continua a fazê-las. Sua vitória, suspeitamos nós, reside no fato de que está ciente dessa condição.

Na tragédia ática, anterior a Eurípides, o herói tinha o sonho, a plateia acreditava que ele poderia realizá-lo e o coro advertia ambos dos perigos inerentes a tal tentativa. A arte, podemos dizer, é o 'lugar' em que herói, plateia e coro se fundem.

Quarto capítulo: uma das teorias do Tarso

Conversávamos sobre o conceito de alma/aura quando o colega Tarso nos brindou com uma ideia. “Se na passagem da idade média para a modernidade substituímos a alma pelo homem, pelo humano”, disse ele, “na passagem da modernidade para a contemporaneidade substituímos o humano pela máquina”.

É, minha gente, dá pano pra manga...

Quinto capítulo: arte como mediação do invisível

Mas, se a arte auratiza os objetos, atribui-lhes uma alma, então podemos dizer que a arte media a nossa relação com o invisível. Vale destacar aqui a importância da palavra: 'mediar', e não 'representar'. Na ideia de representação o que subsiste é ainda uma insistência que parte da razão. 'Representar' tem a ver com mensurar, compreender, racionalizar. Na contramão do que propõem tais verbos, o impulso estético tenta capturar o escapa à razão, o que foge ao olhar, o que não se dá ao entendimento.

De que forma a arte lida com o inexprimível? Sim, essa é a pergunta que temos de levantar, mesmo porque tocar nessa dimensão não é um privilégio da arte. A ciência e a religião também pisam nesse solo, mas 'com outros sapatos'. A primeira decifra, a segunda idolatra. Nenhum desses modelos de relação com o inexprimível é tentador para a arte. Consciente de que algo lhe escapa, ela desiste do sonho de decifrá-lo. Se a ciência utiliza lupas para tornar o invisível visível – e, assim, destruí-lo [talvez seja essa a intuição que Cortázar teve ao observar, no seu belo Jogo da amarelinha, que todo pensamento destrói tudo no mesmo momento em que procura aproximar-se (p. 63, 2008)] –, a arte utiliza lupas para tornar o invisível ainda maior. O que a arte nos fornece não são segredos que se desvendam, mas sim segredos que se expandem, ou seja, que de alguma forma se tornam mais segredos. Talvez pudéssemos dizer que, enquanto a ciência tenta desatar os nós do mundo, do ser humano, da natureza, enfim, a arte procura imitá-los. Quem sabe não resida aí também um outro elemento da dimensão mimética da arte. Mas não sei até que ponto trabalhar com esse dualismo funciona. Deixemo-lo de lado um pouco.

Fica, de qualquer forma, certo que a ciência e a arte não trilham o mesmo caminho ao se aproximar dos objetos. Mas daí não se segue nem que a experiência estética abandone a razão nem que a ciência deixe de lado a esfera do irracional (qualquer semelhança entre essa ideia e o conceito wittgensteiniano de persuasão não é mera coincidência...).

É também Cortázar que, no oitavo capítulo do livro já mencionado, escreve: “Ficávamos olhando, brincando de aproximar os olhos do vidro [do aquário] [...], e compreendíamos cada vez menos o que é um peixe; por esse caminho de não compreender, íamos ficando cada vez mais perto deles, que não se compreendem” (p. 46).

continua...

Ética e Literatura!

Gradução de Filosofia da Universidade de Passo Fundo, oferece curso sobre “Ética e Literatura: intersecções entre o discurso ético e as temáticas das tragédias gregas e do drama barroco”. O objetivo do curso é abordar temas literários ligados à tragédia grega clássica e o drama barroco, discutindo conceitos da filosofia moral, sua contextualização e seus impasses através de exemplos retirados da literatura consagrada pela tradição cultural.

Incrições pelo e-mail fcofianco@upf.br, informando nome completo, curso e horário de preferência.
Para maiores informações, acesse o site:

Arte, Sentido e História na UPF-TV.


A ação educativa de contrução e reconstrução do conhecimento, é uma característica dos grupos de pesquisa. A investigação ciêntífica se dá pela curiosidade, pelo espírito crítico e criativo que os envolvidos desenvolvem na busca pela aprimoração e produção de conhecimento, o que contribui para a formação humana e profissional dos mesmos. E foi com intuito de divulgar os diferentes projetos de pesquisa ligados a Universidade de Passo Fundo, de maneira a expandir o conhecimeto produzido à comunidade e visando uma maior interação entre ambos, que a UPF-TV nos convidou para uma entrevista, a qual abordará questões sobre a tragetória do grupo de pesquisa Arte, Sentido e História, as produções e as novas perspectivas de estudo. A entrevista poderá ser acompanhada no canal da UPF-TV, no dia 09/09/10 as 20:00 horas e também sua reprise no dia 10/09/10, também as 20:00 horas.

Quem somos

O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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