Acesse os links abaixo, para ver entrevista com integrantes do grupo de pesquisa Arte, Sentido e História, exibida dia 09/09/2010 no programa Universidade Aberta do canal UPF-TV.

Parte I

Parte II
Parte III

O que é o que é?



O que é o que é?


...não é arte, mas seu fruto.
Um resíduo da própria mãe, abandonado.
Não é a estrada,
mas está em toda parte!
com ou sem valor?

Talvez não seja uma palavra,
mas devemos dizê-la!
Oh, saga, dessas pobres partes
Que perderam seu glamour!

Seria o Kitsch, esse coitado?
Que, segundo o Tarso:
- é desalmado!
Algo alienante, que corrompe
ao condenar a alma
daqueles que imitam
um gosto que não possuem?

Já que falamos desse impertinente...
Quisera o Gerson, nosso regente, que a estrada
solitária que a vanguarda abre
não entulhasse mais
do que...bibelôs?.....
Quiçá um santinho Kitsch,
num ritual sublime, pudesse
dotar-se de valor.
Se assim for, não busquemos
mais a sua face,
e sim,
as evidências que deixou.

Ele é, mas não é,
pois engana!
O que faz com
que o percebamos,
se não for, como a esquerda clama,
um produto do contexto?

Sinta-se aliviada, cara Bárbara.
Parte da charada tu
Venceste.
AVANCE DUAS CASAS!

Viste? (o QUÊ?)
− A rima também pode ser kitsch!
Se eu falar que é tudo
culpa da RobERTA,
Terei que terminar com
uma frase incERTA?

Ah, vai...
Dorme em paz, pequenino
Bastardo.
Tua existência é um fato,
E quando vê,
 já nem é mais!





Taciane Sandri de Anhaia

Na última sessão do dia 07 de outubro de 2010, o grupo reuniu-se no prédio do IFCH, para dar continuidade à leitura do texto Vanguarda e Kitsch de Clement Greenberg. Estavam presentes no encontro os pesquisadores: Bárbara, Bruna, Iara, Pasini, Prof. Dr. Francisco, Prof. Dr. Gerson, Ester e Tarso os representantes da “comunidade em geral”.


O Kitsch e a falsa promessa

As discussões da sessão giraram em torno da simultaneidade do surgimento do fenômeno cultural kitsch, às Vanguardas. Considerando que esse tipo de manifestação, encarado por muito tempo como algo natural, merece ser examinado com atenção, visto que o Kitsch de certa forma mostra-se como cultivador da insensibilidade perante valores genuínos da cultura, usando como matéria-prima vis simulacros da mesma, que é a fonte de seus lucros.

De acordo com Caldas (1999, p. 50-51-52), após a revolução industrial, com o capitalismo avançado e a implantação oficial da cultura burguesa, estabeleceu-se um forte desejo de respeitabilidade, ou seja, uma vontade de ascensão social. Isso quer dizer que, os camponeses que se estabeleceram nas cidades, formando a nova classe dominante, desejavam aquilo que a cultura tradicional da cidade oferecia, porém não havendo tempo e conforto suficientes para o desfrute desta, passaram a exigir da sociedade um tipo de cultura mais adequado a seu próprio consumo. Assim, a busca pela instituição de valores próprios subtraiu-se do cidadão, o qual agora aspira por meio do consumo exagerado, a genuinidade que não pode alcançar. Em vista disso o imaginário materializa-se através do objeto adquirido, mas a legitimidade almejada perde-se com obtenção da réplica.


O kitsch finge não exigir nada de seus consumidores além do seu valor de custo. Não causa o mesmo impacto de uma obra de arte, mas procura imitar seus efeitos. Sua presença fabricada finge ser capaz do que na verdade não é. Apesar de não possuir aura, tem propriedade de democratizar o gosto sem engrandecer o desejado, ou seja, o original. Clement Greenberg (2001, p. 32) afirma que “o kitsch é mecânico e funciona mediante fórmulas. O kitsch é experiência por procuração e sensações falsificadas”. Isto é, o kitsch imita os efeitos da arte, mostrando-se como a transfiguração de uma característica estética. A falsidade de sua promessa efetiva-se no não cumprimento da mesma.

Deste modo, o kitsch diferencia-se da obra de arte porque, com o passar do tempo, produz um efeito apaziguante, que acomoda o espectador, cumprindo com a expectativa do gosto fácil. Já a obra de arte é de qualidade inquietante, perturbadora, está sempre nos convidando para um novo desafio, um novo olhar. Conforme Berger (1999, p. 21-22), ao vermos a imagem da Monalisa reproduzida em uma camiseta, temos a impressão de que a unicidade da imagem dilui-se e seu significado muda, multiplicando-se e fragmentando-se em muitos outros significados. Apesar de todas essas distorções do original, a pintura verdadeira continua em certo sentido, sendo única. O que nos impressiona não é mais o que a imagem representa, mas sim o fato de ser o original de uma reprodução.


Sobre a existência de uma tradição Kitsch

Questões em torno do surgimento do kitsch levam-nos a questionar se não haveria uma possibilidade de tradição “Kitschiana”. A semelhança de algumas manifestações da antiguidade, em comparação com manifestações ditas pós-modernas, não justificaria ousar considerá-los participantes deste mesmo fenômeno. Os produtos de épocas pré-capitalistas eram criados para única finalidade, ou seja, a escala de reprodução em massa não existia e somente a aristocracia era possuidora de determinados produtos, como por exemplo, as obras de arte. Segundo Berger (1999, p. 85-92), ao se comprar uma pintura, adquiria-se também a aparência daquilo que ela representava. Tal aquisição refletia a própria nobreza do comprador. As obras de arte celebravam a riqueza; a própria pintura era capaz de demonstrar o quanto era desejável o que o dinheiro podia comprar. Havia uma honestidade na obtenção das coisas, pois o acesso era bastante restrito.



Podemos supor que o kitsch toma para si valores de uma tradição cultural privilegiada, mas em sua estrutura não possui uma tradição. Sua aparição concretiza-se somente quando há possibilidade de compra, de obter um objeto semelhante ao original. E isso ocorre na era capitalista, com o advento da indústria cultural. O kitsch se constitui em elemento acessível, sendo produto de fácil obtenção, encontrando-se ao alcance de todos e não mais, apenas por uma parcela elitizada da sociedade.


Há uma cultura Kitsch original?

É possível o kitsch ser algo original? Apesar de se traduzir como a cópia ou imitação quase grotesca de um original, nem todo produto kitsch mostra-se desprovido de valor. O kitsch pode ser considerado como algo original, possuindo, em certos casos, um autêntico sabor popular. São os exemplos do altar do candomblé, dos santos de umbanda, expressões que usam de objetos para representar entidades. Apesar dos objetos serem em sua forma aparentemente vazios de significado, neles são depositadas forças, cargas simbólicas que lhe atribuem sentidos. Sua aura é criada e reforçada na prática do ritual.



Referências

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

CALDAS, Waldenyr. Uma utopia do gosto. São Paulo: Brasiliense, 1999.

GREENBERG, Clement. Vanguarda e kitsch. In: GREENBERG, Clement et al. Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 27 – 43.

O kitsch em A História da Feiúra

Diferente do livro de Milan Kundera ao qual nos referimos no post passado, A História da Feiúra é um livro dedicado propriamente ao estudo das diferentes correntes artística através dos tempos. Ao invés de literatura, como A insustentável leveza do ser, nos deparamos agora com um estudo histórico, uma pesquisa plena de referências e, na medida do possível, imparcial em relação no seu 'julgamento'.
O organizador da obra é o italiano Umberto Eco, que, dentre outros tantos livros, lançou também A História da Beleza. Os dois livros, que muito se confundem com a história da arte, são verdadeiros tratados, fazem uma rica reconstrução sobre o tema, retratando a arte de modo muito elucidativo, graças às inúmeras citações e exemplificações. Um dos capítulos d'A História da Feiúra intitula-se "O feio dos outros, o Kitsch e o Camp", e, dentro dele, encontramos um pequeno capítulo que reconstrói a concepção de Kitsch (citado pelo autor em letras maiúsculas!, cheio de importância!). Tentaremos ser o mais fidedignos possível em relação às referências artísticas que compõem o livro, postanto as figuras que encontramos em suas páginas ou então substituindo-as por outras muito similares.
Em A História da Feiúra encontramos, pois, uma segunda fonte de referência para nossas discussões sobre a origem do kitsch. Nos é apresentada, desta vez, a origem filológica desta palavra alemã que tornou-se tão internacional - que, por sinal, é uma origem muito curiosa e explicativa!
E ainda uma outra curiosidade que pode renovar nosso debate: durante nossas discussões fizemos algumas comparações entre o kitsch e outras formas de expressão que com ele se confundem, como, por exemplo, o cult.. Umberto Eco vai nos fazer lembrar de um outro elemento que se separa do kitsch por um tênue limite: o trash!! Como fomos esquecer?!



O Kitsch

O feio é também um fenômeno cultural. Os membros das classes ‘altas’ sempre consideraram desagradáveis ou ridículos os gostos das classes ‘baixas’. Poderíamos dizer, é certo, que os fatores econômicos sempre pesaram nestas discriminações, no sentido em que a elegância sempre foi associada ao uso de tecidos, cores e pedras caríssimos. Mas muitas vezes o fator discriminante não era econômico, mas cultural. É uma experiência habitual destacar a vulgaridade do novo-rico que, para ostentar sua riqueza, ultrapassa os limites que a sensibilidade estética dominante estabelece para o ‘bom gosto’.
Além disso é complicado definir a sensibilidade estética dominante: não é necessariamente aquela de quem detém o poder político e econômico, mas antes a que é fixada pelos artistas, pelas pessoas cultas, por quem é considerado (pelo mundo literário, artístico e acadêmico ou pelo mercado da arte e da moda) perito em ‘coisas belas’. Mas trata-se de um conceito muito volátil. Assim, alguns leitores poderão se espantar ao encontrar neste capítulo de um livro dedicado à feiúra imagens que consideram belíssimas. Tais imagens são propostas porque a sensibilidade estética dominante, muitas vezes a posteriori, definiu-as como reprováveis, incluindo-as na categoria do kitsch.
Segundo alguns, a palavra kitsch remontaria à segunda metade do século XIX, quando os turistas americanos em Munique, querendo comprar quadros, mas com preços mais baixos, pediam um desconto (sketch). Daí viria o termo, designando quinquilharias para compradores desejosos de experiências estéticas fáceis. Contudo, no dialeto mecklenburguês já existia o verbo kitschen para “varrer a lama ou lixo das ruas”. Outra concepção do mesmo verbo seria “maquiar móveis para que pareçam antigos” e há também o verbo verkitschen para “vender barato”.
Mas para quem essas coisas seriam quinquilharias? A “alta” cultura define como kitsch os anões de jardim, as imagens devocionais, os falsos canais venezianos dos cassinos de Las Vegas, o falso grotesco do célebre Madonna Inn californiano, que pretende fornecer ao turista uma experiência “estética” excepcional. E era definida como Kitsch, sem remissão, a arte celebrativa (que se pretendia popular) das ditaduras stalinista, hitlerista ou mussoliniana, que consideravam a arte contemporânea “degenerada”.

    
                                 
          (Madonna Inn)

Contudo, quem aprecia o Kitsch considera que está usufruindo uma experiência qualitativamente alta. Basta dizer que existe uma arte para os incultos, assim como existe uma arte para os cultos, e que é preciso respeitar a diferença entre os dois “gostos” como são respeitadas as diferenças de crenças religiosas ou preferências sexuais. Mas enquanto os cultores de uma arte “culta” consideram o Kitsch kitsch, os cultores do Kitsch (salvo diante de obras cuja aspiração é justamente “chocar a burguesia”) não consideram desprezível a grande arte dos museus (os quais, aliás, expõem com freqüência obras que a sensibilidade culta considera kitsch). Muito ao contrário, consideram as obras Kitsch “semelhantes” àquelas da grande arte. Se uma das definições do Kitsch o vê como algo que visa provocar um efeito passional em vez de permitir uma contemplação desinteressada, uma outra considera Kitsch a prática artística que, para nobilizar-se e nobilizar o comprador, imita e cita a arte dos museus. Clement Greenberg afirmou que, enquanto a vanguarda (entendendo-a, em geral, como arte em sua função de descoberta e invenção) imita o ato do imitar, o Kitsch imita o efeito da imitação: ao fazer arte, a vanguarda evidencia os procedimentos que levam à obra e os elege como objetos de seu próprio discurso, enqaunto o Kitsch evidencia as reações que a obra deve provocar e elege como objetivo da própria operação as reações emocionais do fruidor.
  
(Sir Lawrence Alma-Taderma - O hábito preferido)   (William Adolphe - Nascimento de Vênus)

Uma definição indireta do Kitsch é a de Schopenhauer quando delineia a diferença entre o artístico e o interessante, este último entendido como arte que solicita os sentidos do fruidor. Schopenhauer criticava por isso a pintura holandesa setecentista, que representava frutas e mesas postas capazes de estimular o apetite mais do que convidar à contemplação. No século passado, Hermann Broch também escreveu, com desdém moralista ainda maior, contra esta estimulação programada do efeito. E certamente cai sob a rubrica do Kitsch toda a arte do final do século XIX definida como art pompier, feita de procacíssimas odaliscas, nus de divindades clássicas e hiperbólicas evocações históricas.
Mas no campo da imitação da arte “elevada”, Dwight MacDonald opôs, em um célebre ensaio, as manifestações da arte de elite, quer à cultura de massa (masscult), que à cultura pequeno-burguesa (midcult). Ele reprovava, mais que a masscult pela difusão daquilo que hoje chamaríamos de trash (ou “lixo” televisivo), a midcult pela banalização das descobertas da arte verdadeira para fins comerciais – abespinhando-se contra O velho e o mar, de Hemingway, e denunciando sua linguagem artificiosamente liricizante e sua tendência a representar personagens aparentemente “universais” (não “aquele velho”, mas “O velho”).
                                       
       (Giacomo Grosso - A nua)

Se aceitarmos a proposta de MacDonald, um bom exemplo de miscult são os retratos femininos de Boldini, um pintor que viveu a cavaleiros dos séculos XIX e XX, retratista famoso, conhecido junto à boa sociedade da época como “o pintor das senhoras”. Aqueles que encomendavam seus retratos certamente queriam uma obra de arte que fosse fonte de prestígio, mas que também celebrasse de modo inequívoco as graças da senhora.
Para tanto, Boldini construía suas pinturas segundo as melhores regras da provocação de efeito. Observando-se seus retratos femininos, é patente que o rosto e os ombros (parcialmente cobertos) obedecem a todos os cânones de um naturalismo sensitivo. Os lábios dessas mulheres são carnudos e úmidos, as carnes evocam sensações táteis; os olhares são ternos, provocantes, maliciosos ou sonhadores, sempre capazes de seduzir o espectador. As mulheres de Boldini não evocam a idéia abstrata de beleza, não usam a beleza feminina como pretexto para divagações plásticas colorísticas: representam aquela mulher e a tal ponto que o espectador é levado a desejá-la.
Mas assim que começa a pintar as vestes, quando desce do corselete à barra da saia, quando da roupa passa para o fundo, eis que Boldini abandona a técnica “gastronômica” que Schopenhauer atribuía aos pintores holandeses: os contornos renunciam à precisão, os materiais diluem-se em pinceladas luminosas, as coisas transformam-se em manchas de cor, os objetos fundem-se em explosões de luz...
A parte inferior dos quadros de Boldini remete-se a uma cultura impressionista, Boldini faz arte, cita o repertório da pintura que representava a vanguarda em sua época. Assim, seus bustos e seus rostos (a serem desejados) emergem da corola de uma flor pictórica que, ao contrário, é apenas olhável. Estas mulheres são sereias estilemáticas, nas quais à cabeça e ao busto consumíveis unem-se roupas contempláveis. A dama retratadanao poderá se sentir embaraçada por ter sido exposta carnalmente como uma cortesã: o resto de sua figura tornou-se um estímulo para degustações estéticas e, portanto, um gozo de ordem superior. O usuário midcult consome assim a sua mentira – e não importa se ou quanto consciente estava.
Se o termo Kitsch tem um sentido, não é, portanto, por designar uma arte que tende a suscitar efeitos, pois em muitos casos a arte também se propor este objetivo, nem uma arte que utiliza estilemas surgidos em outro contexto, pois isso pode acontecer sem que se caia no mau gosto: Kitsch é a obra que, para justificar a sua função de estimuladora de efeitos, se pavoneia com os despojos de outras experiências e se vende como arte sem restrições. (p 304-404)







(Giovani Boldini)

O kitsch em Milan Kundera

Durante nossas discussões sobre o movimento kitsch (arte kitsch?! quem ousará responder?!) algumas definições e origens da palavra foram citadas. Uma delas veio do livro A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. Deixaremos tatuadas aqui no blog algumas dessas referências, pois podem servir para esclarecimentos e discussões vindouras. A insustentável leveza do ser é um livro que retrata o mundo comunista da antiga Tchecoslováquia, mas sem deixar de exalar um perfume de romance! Portanto, os personagens se confundem com as definições apresentadas pelo autor, entregando-nas já impregnadas de interpretações e julgamentos. Mas, ao invés de torná-lo um 'desvio' de olhar, o livro serve justamente como um meio que nos leva a compreender o kitsch no no seu surgimento, aplicado ao seu contexto originário - ou seja, ver o kitsch através de uma visão bem diferente daquelas que temos. 
Antes das citações que se referem diretamente ao kitsch, deixemos postado aqui uma partezinha do livro que se refere à beleza.. na disposição do livro ela já se encontra antes da definição de kitsch (e antes de o autor usufruir deste termo em abundância).. quem sabe esta beleza à qual o autor se refere seja uma forma de introduzir o kitsch.. quem sabe? alguém sabe? Milaaaaaaan!

“Franz disse: ‘Na Europa, a beleza sempre foi intencional. Havia sempre um fim estético e um plano de longa duração; foram necessários séculos para edificar segundo esse plano uma catedral gótica ou uma cidade do Renascimento. A beleza de Nova York tem uma origem completamente diversa. É uma beleza não intencional. nasceu sem premeditação por parte do homem, como uma gruta de estalactites. Formas, feias em si mesmas, encontram-se por acaso, sem nenhum plano, em vizinhanças improváveis onde brilham de repente numa poesia mágica’.



Sabina disse: ‘A beleza não é intencional. É isso mesmo, também se poderia dizer: a beleza por engano. Antes de desaparecer totalmente do mundo, a beleza existirá ainda alguns instantes, mas por engano. A beleza por engano é a último estágio da história da beleza’.” (p. 101)



As próximas citações foram todas retiradas da sexta parte do livro, chamada A grande marcha. Se notarem a evolução das páginas, verão que formam quase que a sequência do livro! Quando encontrarem alguns números que seguem o desenrolar do texto, saibam que é a divisão entre os pequenos capítulos dentro do texto.. boa leitura!

“Esta é uma palavra alemã [kitsch] que apareceu em meados do sentimental século XIX e que em seguida se espalhou por todas as línguas. Mas o uso freqüente do termo apagou seu valor metafísico original: o kitsch, em essência, é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal como no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo o que a existência humana tem de essencialmente inaceitável.” (p. 244)



“A primeira revolta interior de Sabina contra o comunismo não tinha um caráter ético, mas estético. O que lhe repugnava não era tanto a feiúra do mundo comunista (os castelos convertidos em estábulos), mas a máscara de beleza com que ele se cobrira, isto é, o kitsch comunista. O modelo desse kitsch era a chamada festa do Primeiro de Maio.” (p. 244)



“Por volta de dez anos mais tarde (ela já morava na América), um senador americano amigo de seus amigos a levou para passear num carro enorme. Quatro garotos se apertavam no banco de trás. O senador parou; as crianças desceram e desataram a correr num gramado imenso em direção a um estádio onde havia um rinque. O senador ficou ao volante olhando com ar sonhador as quatro pequenas silhuetas que corriam; virou-se para Sabina: ‘É isso que eu chamo de felicidade’.
Essas palavras não eram apenas uma expressão de alegria diante das crianças que corriam e da grama que crescia, era também uma manifestação de compreensão em relação a uma mulher que vinha de um país comunista onde, o senador estava convencido, a grama não cresce e as crianças não correm.
Mas, nesse momento, Sabina imaginou o senador num palanque de uma praça de Praga. Em seu rosto, havia exatamente o mesmo sorriso que os estadistas comunistas dirigiam do alto de seu palanque aos cidadãos igualmente sorridentes, que desfilavam a seus pés.



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Como o senador podia saber que as crianças significavam felicidade? enxergaria dentro de suas almas? E se três dessas crianças, assim que saíssem de seu campo visual, se atirassem sobre a quarta e começassem a espancá-la?
O senador tinha apenas um argumento a favor de sua afirmação: a sensibilidade dele. Quando o coração fala, não é conveniente que a razão faça objeções. No reino do kitsch se pratica a ditadura do coração.
É preciso evidentemente que os sentimentos suscitados pelo kitsch possam ser compartilhados pelo maior número possível de pessoas. Por isso, o kitsch não se interessa pelo insólito; ele apela para as imagens-chave profundamente ancoradas na memória dos homens: a filha ingrata, o pai abandonado, os garotos correndo num gramado, a pátria traída, a lembrança do primeiro amor.
O kitsch faz nascer, uma após outra, duas lágrimas de emoção. A primeira lágrima diz: Como é bonito crianças correndo num gramado!
A segunda lágrima diz: Como é bonito se emocionar com toda a humanidade ao ver crianças correndo num gramado!
Somente essa segunda lágrima faz o kitsch ser o kitsch.
A fraternidade entre todos os homens não poderá ter outra base senão o kitsch.

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Ninguém sabe disso melhor do que os políticos. Assim que percebem uma máquina fotográfica por perto, correm até a primeira criança que vêem para levantá-la nos braços e beijá-la na face. O kitsch é o ideal estético de todos os políticos, de todos os movimentos políticos.
Numa sociedade em que coexistem diversas correntes e em que suas influências se anulam ou se limitam mutuamente, ainda é possível escapar mais ou menos à inquisição do kitsch; o indivíduo pode salvaguardar sua originalidade e o artista criar obras inesperadas. Mas nos lugares em que um só movimento político detém todo o poder, todos se encontram sem escapatória no reino do kitsch totalitário.
Se digo ‘totalitário’ é porque nesse caso tudo o que possa prejudicar o kitsch é banido da vida: toda manifestação de individualismo (porque toda discordância é uma cusparada no rosto da fraternidade sorridente), todo ceticismo (porque quem começa duvidando do detalhe mais ínfimo acaba duvidando da própria vida), e ironia (porque no reino do kitsch tudo tem que ser levado a sério), mas também a mãe que abandona a família ou o homem que prefere os homens às mulheres ameaçando assim o slogan sacrossanto ‘amai-vos e multiplicai-vos’.
Desse ponto de vista, aquilo a que chamamos ‘gulag’ pode ser considerado uma fossa séptica em que o kitsch totalitário joga suas imundícies.” (p. 245-247)



“Com efeito, na mais cruel das épocas, os filmes soviéticos que inundavam os cinemas dos países comunistas eram impregnados de uma inocência incrível. O mais grave conflito concebível entre dois russos era o desentendimento amoroso: ele imagina que ela não o ama mais, e ela pensa a mesma coisa dele. No final, um cai nos braços do outro e lágrimas de felicidade escorrem pelo rosto.
A explicação convencional desses filmes, hoje em dia, é a seguinte: eles descreviam o ideal comunista, enquanto a realidade comunista era bem mais sombria.
Essa interpretação revoltava Sabina. A idéia de que o universo kitsch soviético podia se tornar realidade lhe dava calafrios. Preferia, sem hesitar, a vida no regime comunista real, com toda as suas perseguições e suas filas na porta dos açougues. No mundo comunista real, é possível viver. No mundo do ideal comunista realidade, naquele mundo de cretinos sorridentes com quem ela não poderia ter o menor diálogo, teria morrido de horror depois de uma semana.” (p. 248)

                                  



“No reino do kitsch totalitário, as respostas são dadas de antemão e excluem qualquer pergunta nova. Daí decorre que o verdadeiro adversário do kitsch totalitário é o homem que interroga. A pergunta é como a faca que rasga a cortina do cenário para que se possa ver o que está atrás. Foi assim que Sabina explicou a Tereza o significado de suas quadros: na frente, a mentira inteligível, e atrás a incompreensível verdade.
Mas os que lutam contra os regimes ditos totalitários não podem lutar com interrogações e dúvidas. Necessitam também da certeza e da verdade simplista deles, que devem ser compreensíveis para um grande número de pessoas e provocar lágrimas coletivas.
Um dia, um movimento político organizou uma exposição de quadros de Sabina na Alemanha. Sabina pegou o catálogo: na frente de sua foto haviam desenhado fios de arame farpado. No texto, sua biografia parecia a hagiografia de mártires e santos: havia sofrido, havia combatido a injustiça, havia sido forçada a abandonar seu país torturado e continuava o combate. ‘Com seus quadros, ela luta pela liberdade’, dizia a última frase.
Ela protestou, mas não a entenderam.
Ora, então não era verdade que o comunismo perseguia a arte moderna?” (p. 249)

“A vida inteira, afirmou que seu inimigo era o kitsch. Mas será que ela própria não o carrega no fundo do seu ser? Seu kitsch é a visão de um lar sossegado, doce, harmonioso, onde reinam uma mãe cheia de amor e um pai cheio de sabedoria.” (p. 250)

Vanguarda e kitsch

Em nosso mais recente encontro, na data de 23 de setembro de 2010, demos início à leitura de um texto de Clement Greenberg – autor já citado em outras oportunidades, servindo de referência em pesquisas por parte de integrantes do nosso grupo, como, por exemplo, “Narciso e a esfinge: a dupla face da experiência estética” (Aline Bouvié Álvares), “’Um Cão Andaluz’, o fim da arte e os limites da narrativa” e “Apolo, Dionísio e a coruja: sobre o valor e o significado da arte” (ambos de Marciana Zambillo). O texto específico ao qual nos referimos em tal encontro foi um dos capítulos do livro Clement Greenberg e o debate crítico, chamado “Vanguarda e kitsch”.

As discussões anteriores trouxeram à tona, quase que corolariamente, o elemento kitsch na cultura moderna e contemporânea. No texto “Vanguarda e kitsch” procuramos buscar as origens, os motivos e a difusão desta nova forma de expressão e da quebra que ela representa na evolução da arte.

Ela é realmente uma forma de expressão ou uma válvula de escape para artificializar uma carência cultural?


Nos primeiros parágrafos do texto encontramos uma reconstrução histórica clarificadora em relação às origens e aos motivos desta mudança formal – e, para sermos fidedignos ao nosso debate, mudança, principalmente, ‘conteudal’! Em relação à difusão, à aceitação, à imposição do elemento kitsch no panorama cultural do homem moderno e contemporâneo temos ainda muito a conversar. Mas, antes disso, deixemos aqui registrados alguns dos questionamentos, enlaces e – dolorosas – conclusões já relevados pelo grupo!


A demanda da arte de elite: variação sobre um mesmo tema


Greenberg começa seu texto questionando-se sobre a multiplicidade das expressões artísticas de uma época: sempre existiram disparidades, pluralidades, variedades – sejamos enfáticos! – na arte de uma mesma época? É possível que exista um suporte para tantos tipos de expressões artísticas geradas de um mesmo contexto?


Uma das hipóteses levantadas para resolver a questão é a elitização característica dos movimentos artísticos (não entremos na discussão específica entre arte e indústria cultural na contemporaneidade, evitemos a terceira guerra mundial enquanto possível.). Jogamos essa ‘elitização’ mais especificamente nos ombros dos movimentos artísticos pré-modernos, sustentados diretamente pela aristocracia e gozados exclusivamente por ela. Essa arte ‘patrocinada’ tinha seus limites muito bem marcados: a variação era concentrada nas formas (as quais também eram muito bem delimitadas dentro de um campo de aceitação e de técnica) que expressavam uma mesma temática, um mesmo conteúdo. A ‘arte’ e a ‘não arte’ eram estabelecidas pelas doutrinas formadas pela elite, ou, o que ora chamamos de ‘instituição’. O que não podia deixar de ser! Pois a arte sempre dependeu da sua ‘demanda’, (podemos até mesmo dizer que a arte sempre dependeu daquilo que a sociedade estava ‘preparada’ para receber) e nem mesmo gênios como Michelangelo e Rafaello estavam livres deste vínculo ‘social’. Se a eles era atribuída a função de esculpir uma ‘Madonna’, a única liberdade artística que tinham era a variação sobre aquele tema específico: esculpi-la ou pintá-la segurando Jesus com o braço esquerdo, com o braço direito ou na garupa (exemplo muito elucidativo das mentes brilhantes que circundam nosso agradabilíssimo ambiente de estudos!)




                                 




O que foi observado pelo grupo – o qual, ressalto, consegue colocar em debate caloroso até mesmo referências históricas e, ao que parece, incontestáveis! – é que quanto mais nos afastamos da modernidade num retrocesso histórica, mais lento os processos de mudança, de inovação, vão se tornando. Enquanto na sociedade moderna encontramos diferentes correntes artísticas, umas simultâneas às outras, na antiguidade – ou melhor, naquilo que sabemos sobre a antiguidade, na informação que chegou até nós -, toda forma de expressão estava ligada a algum tipo dominante de ideologia. A variação sobre o mesmo tema existia, mas existia dentro de confins delimitados por instituições externas, sejam elas políticas ou religiosas, isto é, contextuais. A discussão dominante, nesta fase do debate, foi em relação à precisão das referências históricas. Ora, obviamente um canto gregoriano, produzido dentro dos muros sagrados da Igreja, foi preservado pela hierarquia cristã. Mas e a arte “pagã”? A arte “Cult”? Talvez elas existissem, mas não foram preservadas justamente porque não eram consideradas legítimas em suas épocas.


A arte da vanguarda e a possibilidade do múltiplo




A grande diferença é que hoje, além de se trabalhar com diversas técnicas e se tenha absoluto domínio sobre elas – às quais definimos não apenas em seu argumento puramente ‘técnico’, mas na maneira como os artistas jogam, brincam, com a forma, usufruindo muitas vezes de produtos já prontos (ok, Duchamp! vamos começar a cobrar pra fazer referência a você!)-, é muito mais rico o poder do artista sobre a sua possibilidade de ‘responder questões’ que foram colocadas anteriormente. Quer dizer, jogar com as formas, hodiernamente, é praticamente vital à arte. Tão necessário que muitas vezes não se sabe onde começa a forma e onde termina o conteúdo.

Ousamos colocar o problema de tal forma: novas respostas (formas) para antigas perguntas (estímulos artísticos ou, mesmo, conteúdos). A liberdade artística moderna possibilita diferentes movimentos simultaneamente, variadas formas de abordar um mesmo problema (um mesmo contexto gerador, inspirador). A questão agora é: como surge esta “disparidade” que quebra a linearidade das heranças culturais ocidentais?




Uma das abordagens de tal problema é como podemos conceituar a ‘inovação’ da arte. Parece plausível supor que o que encontramos de novo nas expressões artísticas é o modo como tratamos os problemas. Podemos dizer que as soluções estiveram sempre disponíveis, porém resolvemos testá-las, colocá-las entre as paredes de um museu e provocar uma nova interpretação – ou, para não irritar os deuses (ou demônios) da interpretação: novas formas, novos artifícios, novas placas de beira de estrada que direcionem o nosso olhar de modo diverso para enfrentar ‘antigos problemas’. (No entanto, a questão que fica é que se todos buscam o novo, não estão todos se igualando na busca pela inovação? O novo não se torna um elemento comum?)
Uma das reais influências para a nova visão da arte, a nova possibilidade de fazer arte, foi – e sempre será – o poder das doutrinas dominantes, da elite, do contexto, das instituições externas que a possibilitam. Afinal, esta liberdade moderna que tanto destoa da ‘disciplina’, da ‘regularidade’ da arte pré-moderna, deve ter sido gerada a partir de algum derradeiro elemento cultural que envolveu o âmbito social.


“Não foi por acaso [...] que o nascimento da vanguarda coincidiu cronologicamente – e geograficamente também – com o primeiro surto de desenvolvimento do pensamento revolucionário científico na Europa.” [p. 28]

Greenberg nos ajuda a colocar ‘a culpa’ em alguém: os vanguardistas foram responsáveis pela contra-argumentação em resposta aos movimentos ideológicos do século XIX. E daí resultou a pluralidade e inovação das artes: da nova perspectiva de mundo que as revoluções científicas proporcionaram ao homem (muito bem lembrada foi a posição dos artistas nas épocas pré-modernas: não eram ‘simplesmente’ artistas, mas cientistas, filósofos, etc., estando sempre envoltos pela aura política e suas transformações.)
As Vanguardas, movimentos artísticos surgidos na Europa no início do século XX, impulsionaram um tempo de ruptura com as estéticas tradicionais, com forte desejo de mostrar uma nova maneira de ver o mundo, expressando sua revolta contra as regras e imposições culturais. Guiando a cultura da época e estando de certa forma à frente dela. Greenberg conclui “Revelou-se, então, que a verdadeira e mais importante função da vanguarda (...) [era] manter a cultura em movimento em meio à violência e à confusão ideológicas” (p. 29).
Essa mudança formal da arte provocada pelas influências vanguardistas foi um dos motivos do declínio da aristocracia no século XIX e a ascensão burguesa. Os aristocratas eram os antigos patrocinadores da arte, mas esta relação entre artista e aristocracia foi substituída pelo mercado capitalista. A arte que era sustentada pela aristocracia agora sobrevive ‘por si mesma’. Em conseqüência, a burguesia emergente, ou seja, os ‘novos ricos’, que tinham pouca ou nenhuma noção de arte, a fim de adquirem status social, descobriram que podiam ter ‘acesso’ ao conteúdo artístico através de réplicas disponibilizadas pelo mercado: querendo igualar-se ao bom e velho aristocrata exageravam nas misturas, pecavam pelo excesso, tinham preferências por arte de ‘gosto duvidoso’.
Em vista disso, podemos dizer que as reformas dos contextos sociais e políticos foram impulsionadores da origem ao movimento cultural chamado ‘kitsch’. Buscando a antiga ‘respeitabilidade’ da aristocracia, os ‘novos ricos’ tentaram encontrar no produto ‘falso’ e ‘parecido’ a mesma ‘respeitabilidade’ do original. Através da acessibilidade proporcionada pelo novo modelo político – capitalismo – a arte ganha espaço em diferentes âmbitos, conquista novos públicos. O que dá origem a outras tantas discussões, que não seriam possíveis senão neste contexto do pensamento moderno que propicia e legitima a pluralidade e disparidade dos movimentos artísticos: a multiplicidade da arte corresponde à sua qualidade? A qualidade da arte, agora é ditada por quem? Ela deve ser ditada por alguém?

                               

Quem somos

O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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