A arte e sua constituição: uma possibilidade historiográfica em Argan

"O Nascimento de Vênus" - Sandro Botticelli

Ao longo da história podemos observar as diferentes formas utilizadas para ceder à arte um lugar plausível. O historiador, assim como entende Argan (2005), mais do que resgatar e transmitir o valor do feito artístico, utiliza-se da pesquisa para “objetivar”, circundar a obra, a fim de entender os fatos que possibilitaram tal fenômeno. Para isso, o autor observa “a distinção entre uma história externa, que verifica a consistência dos fatos e reúne e controla os testemunhos, e uma história interna, que encontra os motivos e os significados dos fatos na consciência de quem, de uma maneira ou de outra, os viveu.” (ARGAN, 2005, p. 14).

As obras de arte podem ser consideradas linhas mestras de desenvolvimento da civilização, determinam um campo de relações que transcendem o tempo, se auto-explicam e tornam-se referência, podendo ser estudadas historicamente. A história, de certa forma, põe ordem nos fatos, mesmo que por alto os mesmo já tenham em sua existência relações ordenadas, ela o reelabora através do discurso. Apesar de o fato e a narração distinguirem-se muitas vezes, a narração do fato carrega um valor que o fato em si não pode ter. Ela vale como experiência para o presente. A história da arte requer relações entre todos os fenômenos artísticos para existir. Seria difícil encontrarmos um fato artístico imune e distante de toda a cultura.

O almoço dos remadores - Ronoir
De acordo Argan (2005), não se pode fazer história dos fatos enquanto acontecem no presente vivido. A reconstrução histórica é posterior aos fatos, sendo importante para traçar uma perspectiva segundo um ângulo diferente. Desta maneira, a figuração dos fatos é mudada na memória e não na obra, pois a arte carrega em si uma característica atemporal e, independente do quão estiver afastada de sua época de criação, continuará carregando consigo o seu valor. O conteúdo de comunicação e os sinais de comunicação continuam presentes, possibilitando o trabalho do historiador. Em conseqüência, a arte acompanha a crítica do presente, nos possibilitando um julgamento mais justo, ganhando qualidade de interpretação.


A arte, na concepção de Argan (2005), não é um acontecimento do acaso, tampouco só diz respeito a quem a criou. Ela é tanto um acúmulo da vivência e experiência com outras obras que o autor adquiriu pelo processo inconsciente da memória-imaginação, quanto do próprio contexto, da época de sua formação.

Para analisamos uma obra, Argan (2005) salienta a importância de considerarmos duas camadas distintas. A primeira camada, a cultural, pode ser reconhecida pelas preferências artísticas da época, os conhecimentos técnicos e seus modelos convencionais de representação. Também são passíveis de verificação as normas ou tradições iconográficas; em outras palavras, o modelo simbólico que adotamos na formação gestual ou a maneira que significamos determinados objetos na comunidade em que estamos inseridos.



Na segunda camada, a mais refinada, geralmente não podemos fazer uma historiografia da arte, justamente pelo seu grau de imprecisão. Aqui a composição escapa à análise baseada nos modelos determinados, pois é a contribuição inovadora deixada pelo artista, ou seja, seu estilo.

Argan (2005), diferentemente de Arthur Danto (2006) acredita em uma linearidade ascendente do progresso artístico, porém não apenas na ordem cronológica. A arte sempre visa o presente, mas um presente enriquecido, que não se desvincula dos elementos condicionadores da formação da obra. Uma obra de arte sempre será artificial, um feito humano, pois “imita-se aquilo que não se é; se a arte fosse “natural” não imitaria a natureza” (ARGAN, 2005 p. 31). Um objeto pode pertencer a diversas classes e subclasses, de acordo com o ponto de vista adotado. Portanto, quando delimitamos um caminho (como historiadores), conseguimos estabelecer comparações e definições; o qual, com o “desmembramento” dos elementos constitutivos da obra artística, concebida como heterogênea pelo autor, nos possibilita investigá-la.

Referências:

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. Tradução: Pier Luigi Cabra. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.

Quem somos

O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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