Trajetória

20 de setembro de 2010

ARTE, INDÚSTRIA CULTURAL, KITSCH E CULT! II Parte

Sexto capítulo: indústria cultural, arte, promessa de felicidade
e  bichos-carpinteiros


 Indústria cultural


A promessa de felicidade que aparece nos objetos da indústria cultural encontra-se empacotada. A beleza do pacote tem um propósito claro: é porque nos embriagamos com ela que não nos preocupamos em questionar 'o que tem dentro' da caixa. Com efeito, caso tentássemos fazê-lo, veríamos que ela está na verdade vazia. Quando pensamos em abrir o pacote, surge outra promessa empacotada.

É, meus caros, talvez o domingo que fica entre o fim de uma novela e o início da outra não seja o suficiente para acordar o nosso bicho-carpinteiro.

Arte


A arte também nos promete a felicidade, mas o seu pacote se encontra aberto. Percebemos que não há nada dentro dele. É a arte mesma que viola o pacote com o qual nos apresenta uma promessa de felicidade. Ela insinua que a promessa que faz não é passível de realização. Por quê? Talvez para que cheguemos a pensar que o interessante é prometer apenas. As promessas permanecem vivas quando são só promessas, mas se esgotam quando se realizam. Talvez a arte queira nos mostrar que o menos interessante das promessas seja justamente aquilo que elas prometem.

O mais paradoxal nesse caso parece estar no seguinte: ainda que por vezes deflagre uma experiência de prazer (por vezes porque não é apenas o prazer que entra em cena aqui), a arte não provoca aquilo a que poderíamos chamar 'experiência de satisfação'. Se estamos inclinados a dizer que ela provoca, sim, uma experiência de satisfação, então temos de ter em mente também que não se trata daquele tipo de experiência ao qual comumente nos referimos com o adjetivo 'satisfatório'. A julgar pelo modo como costumamos utilizá-lo, o termo 'satisfação' tem a ver com a palavra 'esgotamento'. Quando, depois de jantar (e comer de sobremesa a melancia kitsch da Frã), dizemos estar satisfeitos, o que queremos deixar claro é que a nossa experiência de prazer com o alimento já se esgotou. Ela terminou por ali mesmo. Talvez um raciocínio idêntico se aplique ao sexo e a outras experiências de prazer. Certo, porém, é que não vale para a arte. Seja qual for o tipo de experiência que temos ao contemplar objetos artísticos, o fato é que não se trata de uma experiência de satisfação nesse sentido mais usual. Não paramos de observar uma pintura pelas mesmas razões pelas quais paramos de comer ou de transar. A satisfação, que nesses dois últimos casos se esgota mediante a possessão do objeto desejado, no caso da arte se mantém justamente porque o objeto desejado nunca é completamente possuído.

Sétimo capítulo: o kitsch e a restauração da relação entre o significado e o significante


Motivados pelas observações da colega Roberta, passamos a discutir qual é a diferença entre o artístico e o kitsch.


Possível definição


Trabalhamos com uma definição ainda insipiente do kitsch: palavra que designa objetos que 'caem nas graças' da massa. O pinguim de geladeira e a galinha na casa do professor Gerson são exemplos de objetos kitsch. É claro que algumas dúvidas ainda ficam: seriam as garrafas pet que são postas como adorno sobre a mesa também objetos desse gênero? O que dizer dos sapatinhos que servem como porta-celular? Os anjinhos de resina também aí se enquadram?


O kitsch e a indústria

O kitsch restaura a relação entre o significado e o significante ao investir naquilo que a indústria deixa de lado: o trabalho das mãos humanas. Os objetos perdem a sua alma/aura, observou a Roberta, porque são produzidos de forma seriada.



O artesanato, então, teria alma? O que dizer dele?



Essa restauração, entretanto, não é um fenômeno intrínseco ao próprio objeto kitsch. É apenas quando ele ganha um lugar específico dentro de um certo ritual (sagrado) que tal fenômeno acontece. O objeto, então, volta a ser portador de um determinado conteúdo, ainda que – diferentemente do que propõe a arte – experimentá-lo signifique, nesse contexto, reproduzir um modelo de relação com o sobrenatural que já superamos.

Dadas essas considerações, podemos dizer que a 'almatização/auratização' no caso do kitsch é uma questão de lugar, e não de alguma propriedade que seja intrínseca ao objeto. É no ritual que ele se torna sagrado.

Da sessão 'frases curtas e de efeito' (parte 1)

“O kitsch é a borda da indústria cultural”.


Oitavo capítulo: o cult

[Interessados em estudar o significado de palavras cujo final tenha o som de 't' (???)], passamos a discutir o que nos impele a conceber um determinado objeto como cult. Descobrimos que, tal como se sucede com o kitsch, o que vale como critério nesse caso não são as propriedades intrínsecas do objeto. É relação que ele estabelece com todas as pessoas que ganha preponderância. Perceba: não a relação que ele estabelece com a pessoa cult, mas sim com todas as pessoas. A história se resume ao seguinte: um objeto (filme, música, pintura...) está tão mais propenso a ser considerado cult quanto menos conhecido da população em geral ele for. Embora possa não ser o único, esse critério talvez seja o mais importante aqui.

Suponho que a estética que está em jogo nesse contexto reflita mais um culto à pessoa do que ao objeto. O gostar do raro não engradece o objeto, mas sim a pessoa. Não assisto a filmes iranianos porque a Roberta me disse que são o que há de melhor no cinema, embora passe a vê-la (a ver ela!) com outros olhos depois da declaração...

[(Ah, fala sério, Roberta, pode dizer que sabe tudo de cinema iraniano :-)!]

Da sessão frase curtas e de efeito (parte 2)

“O cult é aquilo que todo mundo precisa gostar, mas quando todo mundo gosta já não é mais cult”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. Trad. Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural hoje. In: DURÃO, Fábio; ZUIN, Antônio; VAZ, Alexandre (orgs.). A indústria cultural hoje. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 97-110.

Um comentário: