O problema da história museológica da arte

Merda d'artista, Piero Manzoni.
Uma das formas de fazermos história da arte é claramente por meio dos museus, abrigo de objetos de diferentes estilos e épocas. Porém, se formos levados para este caminho nos deparamos com um grande problema: o estudo museológico credita o que é ou não arte e exclui artistas que possuem qualidades tão boas ou melhores quanto às obras consagradas. Essas peças de museus nem sempre podem ser um bom parâmetro para pensarmos em qualidade artística e estética. Mas afinal, quem é que escolhe quando uma arte é boa ou não? Qual é e onde está seu edital de seleção?

Não precisamos pensar nisso agora, afinal de contas o problema maior não está em quem merece ou não ter suas obras consagradas e disponíveis como um “patrimônio público”; o que mais perturba é como esta escolha é decisiva para construirmos uma história da arte e conseqüentemente uma concepção de arte. Aqueles que não se enquadrarem nesse modelo, ou passarem despercebidos serão automaticamente descaracterizados e marginalizados. Por outro lado, aqueles que de fato são artistas, e já estão com suas necessidades básicas supridas, continuarão criando e buscando na arte, independente de reconhecimento, o que faz parte também de suas vidas. Estes são todos os artistas (bem lembrado e questionado pelo nosso pesquisador Tarso) que ficam às escuras, não sós, mas apenas com sua arte.

Quando pensamos nesse papel dos museus para a sociedade é inevitável um paradoxo. Ao mesmo tempo em que os museus cedem um espaço para que uma obra esteja à disposição do povo, ela nunca está para o povo (no sentido de compreensão e de acesso). O que poderia nos aproximar da arte é então aquilo que nos afasta?

Muito das “artes museológicas” que nos referimos, não contém no objeto o prazer de sua graça. O ato pode ser artístico, a brincadeira e intenção validadas como arte, mas, fora desse contexto, “uma pedra costuma ser sempre uma pedra”. Mas uma pedra bem expressa e no contexto oportuno hoje pode valer por ouro. É o caso da lata de merda vendida por milhares de dólares para seus colecionadores de arte. Como dizia Goodman: “A pedra normalmente não é nenhuma obra de arte enquanto está na garagem, mas pode ser tal quando exposta num museu de arte”. (GOODMAN, Nelson. Modos de fazer mundos, p. 114)

Alguns cercos que criamos, e chamamos de sociedade cultural, acabam voltando-se rapidamente contra nós mesmos. Muitas vezes a única saída é realmente criarmos tais cercos, ou não faríamos história; mas se a história não pode atingir o povo, talvez ela seja uma meia história. Essa “parte” contada têm em si um potencial determinante na compreensão de nossos dias, disso não duvidamos, mas a história da arte através dos museus não é somente uma “parte” ingênua, muitas vezes parece ser soberana, louca, outrora dominadora.


Referências:

GOODMAN, Nelson. Modos de fazer mundos, Trad. de António Duarte, Portugal: Edições Asa. 1995



5 comentários:

Bruna 16 de março de 2011 às 09:50  

Afinal, de que valem mesmo os museus de arte? Lugares apenas destinado a abrigar registros humanos já empoeirados? Ou algo mais? Em nossa sociedade atual, que papel cultural poderiamos lhe atribuir?

Taci 16 de março de 2011 às 10:51  

Os museus de arte nos possibilitam um lugar para expor novas idéias e conservá-las. Até aqui ele seria, teoricamente, um bem inestimável. Mas qualquer arte, quando desvinculada de sua origem (de seu contexto) acaba perdendo o que tem de melhor. No caso desse artista que ousou defecar em uma lata e fazê-la parecer algo comprável, como qualquer outro enlatado, deveria ser justamente uma crítica à esse “vale tudo”. Entretanto, esse status do artista, vinculado a oportunidade restrita dos museus, fez da lata de merda um objeto artístico na cabeça doentia e já vazia dos colecionadores. Nesse aspecto, podemos até comprar merda que vamos para casa felizes, desde que seja uma merda reconhecida, é claro!

ezio Flavio Bazzo 17 de março de 2011 às 07:01  

Por um viés de minha profissão, sempre que ouço alguém falar em "artistas" penso logo em narcisismo e na histeria. E por uma fidelidade aos meus mais genuínos sentimentos, sempre que me deparo com alguém discutindo "arte", tenho, como aquele general Nazi, um impulso incontrolado de sacar a pistola...

Anônimo 17 de março de 2011 às 22:54  

Olá Ezio!
Muito obrigada pelo seu comentário!
Mas vamos a questão: então a arte não se discute? Bem, esse já um debate interessante. O que não entendo e gostaria de entender é por que esse medo de debater a arte? Não precisamos apenas mostrar as suas maravilhas, se tu enxergas o outro lado, é disso que devemos tratar.
Um terno abraço.

Bruna 18 de março de 2011 às 14:27  

Talvez se os museus abrissem espaços para promoção de discussões/debates a cerca da arte, motivando esses artistas perdidos a sairem das "escuras", poderíamos desenvolver uma nova concepção de arte, que provoque no espectador mais do que apenas um olhar cansado e vazio.

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