ARTE, INDÚSTRIA CULTURAL, KITSCH E CULT! II Parte

Sexto capítulo: indústria cultural, arte, promessa de felicidade
e  bichos-carpinteiros


 Indústria cultural


A promessa de felicidade que aparece nos objetos da indústria cultural encontra-se empacotada. A beleza do pacote tem um propósito claro: é porque nos embriagamos com ela que não nos preocupamos em questionar 'o que tem dentro' da caixa. Com efeito, caso tentássemos fazê-lo, veríamos que ela está na verdade vazia. Quando pensamos em abrir o pacote, surge outra promessa empacotada.

É, meus caros, talvez o domingo que fica entre o fim de uma novela e o início da outra não seja o suficiente para acordar o nosso bicho-carpinteiro.

Arte


A arte também nos promete a felicidade, mas o seu pacote se encontra aberto. Percebemos que não há nada dentro dele. É a arte mesma que viola o pacote com o qual nos apresenta uma promessa de felicidade. Ela insinua que a promessa que faz não é passível de realização. Por quê? Talvez para que cheguemos a pensar que o interessante é prometer apenas. As promessas permanecem vivas quando são só promessas, mas se esgotam quando se realizam. Talvez a arte queira nos mostrar que o menos interessante das promessas seja justamente aquilo que elas prometem.

O mais paradoxal nesse caso parece estar no seguinte: ainda que por vezes deflagre uma experiência de prazer (por vezes porque não é apenas o prazer que entra em cena aqui), a arte não provoca aquilo a que poderíamos chamar 'experiência de satisfação'. Se estamos inclinados a dizer que ela provoca, sim, uma experiência de satisfação, então temos de ter em mente também que não se trata daquele tipo de experiência ao qual comumente nos referimos com o adjetivo 'satisfatório'. A julgar pelo modo como costumamos utilizá-lo, o termo 'satisfação' tem a ver com a palavra 'esgotamento'. Quando, depois de jantar (e comer de sobremesa a melancia kitsch da Frã), dizemos estar satisfeitos, o que queremos deixar claro é que a nossa experiência de prazer com o alimento já se esgotou. Ela terminou por ali mesmo. Talvez um raciocínio idêntico se aplique ao sexo e a outras experiências de prazer. Certo, porém, é que não vale para a arte. Seja qual for o tipo de experiência que temos ao contemplar objetos artísticos, o fato é que não se trata de uma experiência de satisfação nesse sentido mais usual. Não paramos de observar uma pintura pelas mesmas razões pelas quais paramos de comer ou de transar. A satisfação, que nesses dois últimos casos se esgota mediante a possessão do objeto desejado, no caso da arte se mantém justamente porque o objeto desejado nunca é completamente possuído.

Sétimo capítulo: o kitsch e a restauração da relação entre o significado e o significante


Motivados pelas observações da colega Roberta, passamos a discutir qual é a diferença entre o artístico e o kitsch.


Possível definição


Trabalhamos com uma definição ainda insipiente do kitsch: palavra que designa objetos que 'caem nas graças' da massa. O pinguim de geladeira e a galinha na casa do professor Gerson são exemplos de objetos kitsch. É claro que algumas dúvidas ainda ficam: seriam as garrafas pet que são postas como adorno sobre a mesa também objetos desse gênero? O que dizer dos sapatinhos que servem como porta-celular? Os anjinhos de resina também aí se enquadram?


O kitsch e a indústria

O kitsch restaura a relação entre o significado e o significante ao investir naquilo que a indústria deixa de lado: o trabalho das mãos humanas. Os objetos perdem a sua alma/aura, observou a Roberta, porque são produzidos de forma seriada.



O artesanato, então, teria alma? O que dizer dele?



Essa restauração, entretanto, não é um fenômeno intrínseco ao próprio objeto kitsch. É apenas quando ele ganha um lugar específico dentro de um certo ritual (sagrado) que tal fenômeno acontece. O objeto, então, volta a ser portador de um determinado conteúdo, ainda que – diferentemente do que propõe a arte – experimentá-lo signifique, nesse contexto, reproduzir um modelo de relação com o sobrenatural que já superamos.

Dadas essas considerações, podemos dizer que a 'almatização/auratização' no caso do kitsch é uma questão de lugar, e não de alguma propriedade que seja intrínseca ao objeto. É no ritual que ele se torna sagrado.

Da sessão 'frases curtas e de efeito' (parte 1)

“O kitsch é a borda da indústria cultural”.


Oitavo capítulo: o cult

[Interessados em estudar o significado de palavras cujo final tenha o som de 't' (???)], passamos a discutir o que nos impele a conceber um determinado objeto como cult. Descobrimos que, tal como se sucede com o kitsch, o que vale como critério nesse caso não são as propriedades intrínsecas do objeto. É relação que ele estabelece com todas as pessoas que ganha preponderância. Perceba: não a relação que ele estabelece com a pessoa cult, mas sim com todas as pessoas. A história se resume ao seguinte: um objeto (filme, música, pintura...) está tão mais propenso a ser considerado cult quanto menos conhecido da população em geral ele for. Embora possa não ser o único, esse critério talvez seja o mais importante aqui.

Suponho que a estética que está em jogo nesse contexto reflita mais um culto à pessoa do que ao objeto. O gostar do raro não engradece o objeto, mas sim a pessoa. Não assisto a filmes iranianos porque a Roberta me disse que são o que há de melhor no cinema, embora passe a vê-la (a ver ela!) com outros olhos depois da declaração...

[(Ah, fala sério, Roberta, pode dizer que sabe tudo de cinema iraniano :-)!]

Da sessão frase curtas e de efeito (parte 2)

“O cult é aquilo que todo mundo precisa gostar, mas quando todo mundo gosta já não é mais cult”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. Trad. Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

DUARTE, Rodrigo. Indústria cultural hoje. In: DURÃO, Fábio; ZUIN, Antônio; VAZ, Alexandre (orgs.). A indústria cultural hoje. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 97-110.

1 comentários:

Unknown 30 de julho de 2018 às 08:38  

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O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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