ARTE, INDÚSTRIA CULTURAL, KITSCH E CULT! I Parte

Quando, onde e quem

No dia 8 de setembro de 2010, uma quarta-feira, os pesquisadores Gerson, Iara, Ester, Roberta, Marceli, Tarso, Bárbara, Bruna e Taciane, do grupo de pesquisa Arte, sentido e história, reuniram-se no Atelier da Ester (e da Lola) para mais uma sessão de estudo.

Prólogo

No início desta sessão, ainda antes de discutir o texto A indústria cultural global e sua crítica, do professor Rodrigo Duarte, (i) conversamos a respeito do evento sobre estética e (ii) planejamos (dominar o mundo!) um novo formato para este blog. O professor Gerson indicou o livro Modos de ver, de John Berger, publicado pela Rocco.

Primeiro capítulo: arte e técnica

Em muito uma recuperação das principais ideias do tópico
“A vigência da crítica adorniana à indústria cultural”, a fala da colega Bruna nos levou até duas grandes perguntas: (i) “Quais são as categorias que ainda fazem do conceito de 'indústria cultural' um conceito atual?” e (ii) “O 'lugar' da arte, no caso da indústria cultural, encontra-se previamente definido?”. “Parece que sim”, concluímos em relação à segunda questão, “uma vez que os objetos que compõem a indústria cultural apresentam um determinado padrão. As histórias que nos contam os filmes e as novelas da TV são lineares e as músicas que ouvimos no rádio são variações de três ou quatro minutos de um mesmo sistema, o tonal”.

Mas – este é o problema – a arte clássica também tem um 'lugar' definido. Na contramão do que acontece em relação aos objetos artísticos contemporâneos, os objetos artísticos clássicos se distinguem nitidamente dos objetos do 'mundo prático'. A responsável pelo estabelecimento de fronteiras rígidas nesse caso é a técnica. É por meio dela que se decide o que é arte e o que não é arte.

Não se trata de dizer que não há técnica na produção de objetos artísticos contemporâneos, mas sim de mostrar que, no caso da produção de objetos artísticos clássicos, esse critério (a técnica) possui uma dimensão prioritariamente demarcatória. Com respeito às produções artísticas atuais podemos sustentar que não é mais com base no fator 'técnica' que demarcamos os limites entre o que é e o que não é arte.

Segundo capítulo: arte e industrialização

O advento da industrialização suga a 'alma/aura' dos objetos. Vivemos num 'mundo desencantado'. Se antes procurávamos o mercado para adquirir o que gostamos, agora procuramos o mercado para saber do que gostamos.
A indústria provoca uma espécie de rompimento entre o significante e o significado (conteúdo) dos objetos que produz. O modo como nos relacionamos com eles dá-se, assim, à esteira dessa cisão.

Terceiro capítulo: vanguarda e indústria cultural

A vanguarda faz frente à força da indústria cultural de maneira inusitada. Alguns dos movimentos de vanguarda, por exemplo, em vez de elevar à categoria de arte objetos dotados de conteúdo, optam por atribuir esse estatuto a objetos que não têm conteúdo/significado nenhum. Tais movimentos brincam, em última análise, de 'auratizar' certos objetos. Para que exatamente? Essa questão ficou em aberto. Mas o propósito talvez seja o de levar o espectador a perceber justamente que, embora pareçam repletas de significado, as relações que ele estabelece com os objetos são vazias. Basta um olhar mais profundo sobre os objetos, que é o que a arte faz ao elevá-los ao patamar de arte – ou, em outras palavras, ao criar as condições pelas quais o nosso olho pode lhes aplicar uma espécie de 'zoom' –, para notarmos que a 'feliz promessa' de conteúdo/significado que eles abrigam é ilusória. É como se a arte, ao colocar uma lupa no tipo de relação que estabelecemos com os objetos, tentasse nos levar a perceber que no fundo ela é ilusória. Não há o conteúdo que imaginamos que há. Não se realiza a promessa de felicidade que procuramos.

Chegamos aqui à conclusão de que o 'sucesso' da arte está, por assim dizer, na própria consciência que ela tem do seu fracasso. Ao contrário do que faz a indústria cultural, ela 'afirma' com franqueza que não podemos acreditar na sua promessa de felicidade. Como? O seu segredo aqui está na atitude de sabotar a própria promessa. A arte tem algo de cruel: ela faz promessas para afirmar em seguida que é incapaz de cumpri-las. Pior: não obstante ciente de que não pode cumpri-las, continua a fazê-las. Sua vitória, suspeitamos nós, reside no fato de que está ciente dessa condição.

Na tragédia ática, anterior a Eurípides, o herói tinha o sonho, a plateia acreditava que ele poderia realizá-lo e o coro advertia ambos dos perigos inerentes a tal tentativa. A arte, podemos dizer, é o 'lugar' em que herói, plateia e coro se fundem.

Quarto capítulo: uma das teorias do Tarso

Conversávamos sobre o conceito de alma/aura quando o colega Tarso nos brindou com uma ideia. “Se na passagem da idade média para a modernidade substituímos a alma pelo homem, pelo humano”, disse ele, “na passagem da modernidade para a contemporaneidade substituímos o humano pela máquina”.

É, minha gente, dá pano pra manga...

Quinto capítulo: arte como mediação do invisível

Mas, se a arte auratiza os objetos, atribui-lhes uma alma, então podemos dizer que a arte media a nossa relação com o invisível. Vale destacar aqui a importância da palavra: 'mediar', e não 'representar'. Na ideia de representação o que subsiste é ainda uma insistência que parte da razão. 'Representar' tem a ver com mensurar, compreender, racionalizar. Na contramão do que propõem tais verbos, o impulso estético tenta capturar o escapa à razão, o que foge ao olhar, o que não se dá ao entendimento.

De que forma a arte lida com o inexprimível? Sim, essa é a pergunta que temos de levantar, mesmo porque tocar nessa dimensão não é um privilégio da arte. A ciência e a religião também pisam nesse solo, mas 'com outros sapatos'. A primeira decifra, a segunda idolatra. Nenhum desses modelos de relação com o inexprimível é tentador para a arte. Consciente de que algo lhe escapa, ela desiste do sonho de decifrá-lo. Se a ciência utiliza lupas para tornar o invisível visível – e, assim, destruí-lo [talvez seja essa a intuição que Cortázar teve ao observar, no seu belo Jogo da amarelinha, que todo pensamento destrói tudo no mesmo momento em que procura aproximar-se (p. 63, 2008)] –, a arte utiliza lupas para tornar o invisível ainda maior. O que a arte nos fornece não são segredos que se desvendam, mas sim segredos que se expandem, ou seja, que de alguma forma se tornam mais segredos. Talvez pudéssemos dizer que, enquanto a ciência tenta desatar os nós do mundo, do ser humano, da natureza, enfim, a arte procura imitá-los. Quem sabe não resida aí também um outro elemento da dimensão mimética da arte. Mas não sei até que ponto trabalhar com esse dualismo funciona. Deixemo-lo de lado um pouco.

Fica, de qualquer forma, certo que a ciência e a arte não trilham o mesmo caminho ao se aproximar dos objetos. Mas daí não se segue nem que a experiência estética abandone a razão nem que a ciência deixe de lado a esfera do irracional (qualquer semelhança entre essa ideia e o conceito wittgensteiniano de persuasão não é mera coincidência...).

É também Cortázar que, no oitavo capítulo do livro já mencionado, escreve: “Ficávamos olhando, brincando de aproximar os olhos do vidro [do aquário] [...], e compreendíamos cada vez menos o que é um peixe; por esse caminho de não compreender, íamos ficando cada vez mais perto deles, que não se compreendem” (p. 46).

continua...

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O grupo de estudos "Arte, Sentido & História" é constituido pelo orientador Prof. Dr. em Filosofia Gerson Luís Trombetta; pelos bolsistas: PIBIC/UPF Alessandra Vieira; PIBIC/CNPq Bruna de Oliveira Bortolini; FAPERGS Taciane Sandri Anhaia; e demais integrantes: Aline Bouvié, Amanda Winter, Ana Karoline, Bárbara Araldi Tortato, Daniel Confortin, Edynei Vale, Ester Basso, Fabiana Beltrami, Fernanda Costa, Prof. Dr. em Filosofia Francisco Fianco, Guto Pasini, Iara Kirchner, Jéssica Bernardi, Leonel Castellani, Maikon Ubertti, Marceli Becker, Marciana Zambillo, Roberta del Bene e Tarso Heckler.

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