Em nosso mais recente encontro, na data de 23 de setembro de 2010, demos início à leitura de um texto de Clement Greenberg – autor já citado em outras oportunidades, servindo de referência em pesquisas por parte de integrantes do nosso grupo, como, por exemplo, “Narciso e a esfinge: a dupla face da experiência estética” (Aline Bouvié Álvares), “’Um Cão Andaluz’, o fim da arte e os limites da narrativa” e “Apolo, Dionísio e a coruja: sobre o valor e o significado da arte” (ambos de Marciana Zambillo). O texto específico ao qual nos referimos em tal encontro foi um dos capítulos do livro Clement Greenberg e o debate crítico, chamado “Vanguarda e kitsch”.
As discussões anteriores trouxeram à tona, quase que corolariamente, o elemento kitsch na cultura moderna e contemporânea. No texto “Vanguarda e kitsch” procuramos buscar as origens, os motivos e a difusão desta nova forma de expressão e da quebra que ela representa na evolução da arte.
Ela é realmente uma forma de expressão ou uma válvula de escape para artificializar uma carência cultural?
O que foi observado pelo grupo – o qual, ressalto, consegue colocar em debate caloroso até mesmo referências históricas e, ao que parece, incontestáveis! – é que quanto mais nos afastamos da modernidade num retrocesso histórica, mais lento os processos de mudança, de inovação, vão se tornando. Enquanto na sociedade moderna encontramos diferentes correntes artísticas, umas simultâneas às outras, na antiguidade – ou melhor, naquilo que sabemos sobre a antiguidade, na informação que chegou até nós -, toda forma de expressão estava ligada a algum tipo dominante de ideologia. A variação sobre o mesmo tema existia, mas existia dentro de confins delimitados por instituições externas, sejam elas políticas ou religiosas, isto é, contextuais. A discussão dominante, nesta fase do debate, foi em relação à precisão das referências históricas. Ora, obviamente um canto gregoriano, produzido dentro dos muros sagrados da Igreja, foi preservado pela hierarquia cristã. Mas e a arte “pagã”? A arte “Cult”? Talvez elas existissem, mas não foram preservadas justamente porque não eram consideradas legítimas em suas épocas.
A arte da vanguarda e a possibilidade do múltiplo
A grande diferença é que hoje, além de se trabalhar com diversas técnicas e se tenha absoluto domínio sobre elas – às quais definimos não apenas em seu argumento puramente ‘técnico’, mas na maneira como os artistas jogam, brincam, com a forma, usufruindo muitas vezes de produtos já prontos (ok, Duchamp! vamos começar a cobrar pra fazer referência a você!)-, é muito mais rico o poder do artista sobre a sua possibilidade de ‘responder questões’ que foram colocadas anteriormente. Quer dizer, jogar com as formas, hodiernamente, é praticamente vital à arte. Tão necessário que muitas vezes não se sabe onde começa a forma e onde termina o conteúdo.
Ousamos colocar o problema de tal forma: novas respostas (formas) para antigas perguntas (estímulos artísticos ou, mesmo, conteúdos). A liberdade artística moderna possibilita diferentes movimentos simultaneamente, variadas formas de abordar um mesmo problema (um mesmo contexto gerador, inspirador). A questão agora é: como surge esta “disparidade” que quebra a linearidade das heranças culturais ocidentais?
Uma das abordagens de tal problema é como podemos conceituar a ‘inovação’ da arte. Parece plausível supor que o que encontramos de novo nas expressões artísticas é o modo como tratamos os problemas. Podemos dizer que as soluções estiveram sempre disponíveis, porém resolvemos testá-las, colocá-las entre as paredes de um museu e provocar uma nova interpretação – ou, para não irritar os deuses (ou demônios) da interpretação: novas formas, novos artifícios, novas placas de beira de estrada que direcionem o nosso olhar de modo diverso para enfrentar ‘antigos problemas’. (No entanto, a questão que fica é que se todos buscam o novo, não estão todos se igualando na busca pela inovação? O novo não se torna um elemento comum?)
Uma das reais influências para a nova visão da arte, a nova possibilidade de fazer arte, foi – e sempre será – o poder das doutrinas dominantes, da elite, do contexto, das instituições externas que a possibilitam. Afinal, esta liberdade moderna que tanto destoa da ‘disciplina’, da ‘regularidade’ da arte pré-moderna, deve ter sido gerada a partir de algum derradeiro elemento cultural que envolveu o âmbito social.
Greenberg nos ajuda a colocar ‘a culpa’ em alguém: os vanguardistas foram responsáveis pela contra-argumentação em resposta aos movimentos ideológicos do século XIX. E daí resultou a pluralidade e inovação das artes: da nova perspectiva de mundo que as revoluções científicas proporcionaram ao homem (muito bem lembrada foi a posição dos artistas nas épocas pré-modernas: não eram ‘simplesmente’ artistas, mas cientistas, filósofos, etc., estando sempre envoltos pela aura política e suas transformações.)
As Vanguardas, movimentos artísticos surgidos na Europa no início do século XX, impulsionaram um tempo de ruptura com as estéticas tradicionais, com forte desejo de mostrar uma nova maneira de ver o mundo, expressando sua revolta contra as regras e imposições culturais. Guiando a cultura da época e estando de certa forma à frente dela. Greenberg conclui “Revelou-se, então, que a verdadeira e mais importante função da vanguarda (...) [era] manter a cultura em movimento em meio à violência e à confusão ideológicas” (p. 29).
Essa mudança formal da arte provocada pelas influências vanguardistas foi um dos motivos do declínio da aristocracia no século XIX e a ascensão burguesa. Os aristocratas eram os antigos patrocinadores da arte, mas esta relação entre artista e aristocracia foi substituída pelo mercado capitalista. A arte que era sustentada pela aristocracia agora sobrevive ‘por si mesma’. Em conseqüência, a burguesia emergente, ou seja, os ‘novos ricos’, que tinham pouca ou nenhuma noção de arte, a fim de adquirem status social, descobriram que podiam ter ‘acesso’ ao conteúdo artístico através de réplicas disponibilizadas pelo mercado: querendo igualar-se ao bom e velho aristocrata exageravam nas misturas, pecavam pelo excesso, tinham preferências por arte de ‘gosto duvidoso’.
Em vista disso, podemos dizer que as reformas dos contextos sociais e políticos foram impulsionadores da origem ao movimento cultural chamado ‘kitsch’. Buscando a antiga ‘respeitabilidade’ da aristocracia, os ‘novos ricos’ tentaram encontrar no produto ‘falso’ e ‘parecido’ a mesma ‘respeitabilidade’ do original. Através da acessibilidade proporcionada pelo novo modelo político – capitalismo – a arte ganha espaço em diferentes âmbitos, conquista novos públicos. O que dá origem a outras tantas discussões, que não seriam possíveis senão neste contexto do pensamento moderno que propicia e legitima a pluralidade e disparidade dos movimentos artísticos: a multiplicidade da arte corresponde à sua qualidade? A qualidade da arte, agora é ditada por quem? Ela deve ser ditada por alguém?
1 comentários:
Gostei bastante, faz-nos pensar se muitas de nossas mazelas culturais não estão ligadas à revolução francesa e à ascensão do gosto burguês...
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